A
MULHER DOMÉSTICA DA COMUNIDADE DO CAFUCA
Cláudio Melo
Temas sobre as “mulheres” nos últimos
anos passaram a ser estudados pelos diversos campos do saber. A Organização das
Nações Unidas decretou o ano de 1975 o Ano Internacional da Mulher. Nestes 42
anos que já se passaram, muitos foram os avanços e direitos conseguidos pelas
mulheres em áreas distintas, não só no Brasil como em várias partes do mundo.
Mas realizando um recorte de classe percebemos um enorme número de mulheres que
estão longe de desfrutarem desses avanços e direitos – as mulheres pobres,
negras e sem estudo. De lá para cá, trabalhando no campo ou nos grandes
centros, as mulheres pobres continuam sobrecarregadas por suas verdadeiras
duplas jornada de trabalho - dentro e fora de casa. Essas mulheres saem do
espaço privado próprio para outro espaço privado, teoricamente espaço público,
que não lhes pertence, e vão cuidar dos objetos, da casa, dos filhos, do marido
de outras mulheres bem-sucedidas. Para elas, a divisão social do trabalho,
“trabalho de homem” e “trabalho de mulher” continua em vigor, indiscutivelmente
um fato concreto.
O mundo do trabalho
doméstico do Brasil conta hoje com pelo menos 6 milhões de empregadas
domésticas – no geral 20% das mulheres financeiramente ativas situam-se no
mundo do trabalho doméstico.
Desde os anos 1930, essas
mulheres lutam para serem reconhecidas como trabalhadoras e terem os mesmo
direitos trabalhistas que os outros profissionais. Alguns desses direitos só
foram alcançados apenas no governo de Dilma Rousseff, mas por incrível que
pareça já correm riscos com as propostas de flexibilização do trabalho do
governo de Michel Temer.
Observamos que a qualidade de vida das
mulheres domésticas está intimamente ligada a esta relação: casa, família e
trabalho. Existe, em nossa sociedade, uma tendência em considerar a mulher como
trabalhador de segunda categoria e para as mulheres domésticas tal fato se
potencializa, devido primeiro a sua etnia, visto que 5 em cada 7 mulheres são
negras. Segundo, levando em consideração os locais de moradia (origem social),
a saber: comunidades pobres e favelas. Nesses territórios a participação das
mulheres no mundo do trabalho é maior, dada a necessidade da venda da força de
trabalho de todos os membros da família para a sua subsistência, inclusive as
crianças.
O emprego doméstico atualmente é regido
por lei específica, a Lei complementar 150 de 01 de junho de 2015 que
estabeleceu os novos direitos e deveres trabalhistas para o emprego doméstico.
No entanto, outras leis também podem ser aplicadas em situações que não estejam
discriminadas na Lei Complementar 150. Entende-se como empregado doméstico,
aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e
de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial
destas, por mais de 2 (dois) dias por semana.
Curiosamente, as vésperas da promulgação
da Lei 150 houve uma demissão em massa de empregadas domésticas, acontecendo em
seguida um recrutamento de empregadas diaristas, as quais não precisam conforme
a lei assinar carteira, sendo assim os patrões não possuem compromissos
trabalhistas com essas mulheres. Interessante é que as beneficiadas pela Lei
150, que tem suas carteiras assinadas e gozam dos direitos trabalhistas se
consideram superiores às demais. O trabalho regularizado das domésticas passa a
ser ideologicamente símbolo de alienação.
Uma grande parcela da população feminina
residente nas comunidades e favelas está ligada às atividades domésticas fora
de sua própria casa, como podemos constatar por pesquisa desenvolvida pelo
DIEESE (2011):
O
trabalho doméstico é exercido majoritariamente por mulheres, tanto na sua forma
remunerada como não remunerada. Em 2005, realizavam tarefas domésticas 90,6%
das mulheres e 51,1% dos homens ocupados, segundo dados do IBGE. Seu tempo se
dividia em média, entre 42,9 horas por semana dedicadas ao trabalho remunerado
e 9,8 horas semanais ás tarefas domésticas, no caso dos homens. As mulheres
ocupadas destinavam 34,8 horas semanais ao trabalho remunerado 25,2 horas por
semana ás tarefas domésticas (DIEESE, 2011, p. 7)
A Comunidade do Cafuca, onde desenvolvemos
a pesquisa, está localizada em Santa Izabel no município de São Gonçalo – RJ.
Em épocas de chuva, algumas áreas dessa comunidade estão sujeitas a enchentes.
A comunidade está numa área territorial mista – plana e montanhosa. Pode ser
caracterizada por acentuada degradação urbana, elevadas taxas de pobreza e
desemprego; por problemas sociais como o crime, alcoolismo, uso de drogas,
casos de doenças mentais e elevadas taxas de doenças – dengue, zica - devido as
péssimas condições de saneamento e falta de cuidados básicos de higiene e saúde.
Existem os códigos sociais que proíbe que os habitantes cometam crimes dentro
dos limites da comunidade. A principal ocupação dos moradores, para os homens é
o “bico” e para as mulheres é o trabalho doméstico fora de sua própria casa.
Outra ocupação é a "catação de sucata” para ser revendida no ferro velho.
Pretendemos com esse estudo conhecer a
realidade do trabalho executado pelas mulheres domésticas, nas casas que não
são as suas – a casa da patroa. Afinal, esse trabalho é uma opção ou uma
questão de sobrevivência?Na verdade, o trabalho doméstico feminino remunerado
ainda se encontra em um nível dispare dos outros trabalhos, principalmente por
fundamentar-se ainda em uma relação submissa essencialmente patriarcal, em alguns
casos análogos a escravidão, onde mulheres devem seguir as convenções femininas
e familiares às quais são empregadas.
2 – DISCUSSÃO
DO PROBLEMA – UMA ANÁLISE CRÍTICA DESCRITIVA
2.1 – A PESQUISA
Nossa pesquisa foi desenvolvida a partir
da seguinte hipótese: As mulheres são domésticas por que: não têm outras opções
de trabalho perto de onde moram; trabalham só para “ajudar” no orçamento
familiar; gostam de trabalhar, apesar das duas jornadas de trabalho, e
valorizar a contribuição que dão para suas famílias; no trabalho é que
conversam, riem, encontram as amigas e se distraem (apesar do desgaste físico)?
Tivemos como objetivos: identificar o
perfil das mulheres domésticas da Comunidade do Cafuca; conhecer o processo de
trabalho realizado por elas; relacionar este trabalho doméstico assalariado com
o trabalho doméstico privado; verificar por que a maioria das mulheres é
doméstica.
Utilizamos nesta pesquisa a metodologia
do diagnóstico rápido, que basicamente consiste em usar em conjunto procedimentos
operacionais rápidos e resultados de pesquisas passadas (quantitativas e
qualitativas)com o intuito de se conhecer e compreender rapidamente uma
determinada realidade num contexto econômico e social particular, a partir de
um pequeno número de sujeitos sem a utilização de grandes amostragens. Utilizamos
uma abordagemcrítica-analítica-descritiva do tipo estudo de caso, baseada nos
relatos de história de vida de sete mulheres moradoras na Comunidade do Cafuca
no Bairro de Santa Isabel no Município de São Gonçalo – RJ. A escolha das
mulheres foi feita aleatoriamente.
A história de vida e a história oral
foram escolhidas como instrumentos de pesquisa, pois tínhamos interesse em
conhecer e estudar a problemática social da mulher doméstica, e como ela se
apresentava de maneira viva e concreta na comunidade.
As entrevistas foram realizadas a partir
de um roteiro para que pudéssemos analisar os fatos mais relevantes ao estudo.
Elaboramos um roteiro de entrevista com perguntas abertas e fechadas para
melhor orientação (ver anexo 1). As entrevistas foram pessoais, portanto,
eticamente vamos manter a identidade das entrevistadas em sigilo. Não houve
recusas para as entrevistas que foram realizadas em dois dias: no primeiro dia
entrevistamos quatro mulheres. No dia seguinte entrevistamos mais três. As
entrevistas foram feitas na rua. As entrevistadas mostraram boa receptividade e
satisfação em contar suas vidas para nós, assim como interesse por nossa
pesquisa.
A título de observação percorremos a
Comunidade do Cafuca para realizarmos um processo de reconhecimento mais
preciso sobre a localidade.
2.2 –
RESULTADOS DA PESQUISA
Constatamos que os perfis das sete
mulheres entrevistadas moradoras da Comunidade do Cafuca em São Gonçalo – RJ
são: Todas nasceram em São Gonçalo, porém todas vieram de outras comunidades.
Como opção de trabalho as mulheres tem nas casas das patroas, no município de
Niterói, onde todas trabalham, empregos domésticos como assalariada mensalista
ou diarista.
Entre as entrevistadas, uma estava
afastada do trabalho para tratamento médico, devido a um acidente dentro do
ônibus público que a transportava de volta do trabalho e outra estava afastada
pela idade (73 anos).
Em relação ao estado civil, quatro são casadas
e três solteiras. O número total de filhos vivos são 10 e nenhum morto.
Individualmente, o perfil das sete
mulheres entrevistadas é o seguinte: A - 22 anos, solteira, 0 filho;B - 30
anos, solteira, 0 filho;C - 30 anos, solteira, 0 filho;D - 40 anos, casada, 3
filhos;E - 45 anos, casada, 1 filho;F - 58 anos, casada, 2 filhos;G - 73 anos,
casada, 4 filhos.
Constatamos um nível baixo de
escolaridade entre as entrevistadas. Das sete entrevistadas, as 5 que frequentaram
a escola até o 5º ano sabem ler e escrever; uma que conseguiu ir até o 9º, além
de ler e escrever possui maior lógica no raciocínio e a que não freqüentou a
escola somente assina o nome.Segundo seus depoimentos, as mulheres não
completaram seus estudos por pertencerem a famílias pobres. Uma delas, que
nunca freqüentou a escola, à de 73 anos, disse:
Em
meu tempo era só enxada e ajudar minha mãe na casa. Não deu tempo pra estudar.
Quando fui a escola pela primeira vez, a professora por algum motivo que não
lembro, me bateu com uma palmatória. Então nunca mais voltei a escola. Vivia na
roça. A vida era muito difícil. Por causa disso não estudei, aprendi a escrever
muito mal meu nome. (MULHER G).
Mesmo assim, as mulheres consideram de
grande importância a escola para seus filhos. Para elas é uma maneira de os
manterem longe dos subempregos e empregos domésticos, visto que quando crianças,
as mulheres trabalharam em empregos domésticos ou em roça. Das sete
entrevistadas, três haviam trabalhado na roça com menos de 10 anos.
É uma relação circular, um ciclo que se
apresenta a nós, ao analisarmos a questão social do trabalho doméstico. Fica
evidente que o trabalho doméstico é uma constante que se perpetua mesmo casadas
e com filhos, pois não conseguem mais sair das casas das patroas.Assim, para
essas mulheres o trabalho doméstico remunerado realizado no espaço público
continua sendo “o espaço indispensável para a garantia da sobrevivência de
desenvolvimento e de proteção integral dos filhos e demais membros
independentemente do arranjo familiar ou da forma como vem se estruturando”.
(KALOUSTIAN, 1992, p, 11).
Umas foram para casa de família quando
crianças porque não “queriam” estudar, outras para ajudar no orçamento
doméstico familiar. Reproduzem com os filhos; quando também estes não vão à
escola.
2.3 - A DUPLA JORNADA
DE TRABALHO
As mulheres possuem uma carga horária de
trabalho, mais ou menos, 7/5 horas a mais que os homens por semana, devido à
dupla jornada de trabalho, que inclui afazeres domésticos (espaço privado) e trabalho
remunerado (espaço público – casa das patroas).
Quando conversamos sobre a acumulação do
trabalho decasa com o da casa da patroa, percebemos algum tipo de ajuda dos
filhos maiores em relação aos menores. Os maridos ajudam, mas é pouco. As que
não têm marido contam com os filhos, uma conta com a mãe que mora perto e outra
com a comadre que é vizinha. É realmente muito cansativo. Saem de casa às 6
horas da manhã, e retornam às 19 ou 20 horas. Uma expôs como fica cansada:
Lá
pelas 8 horas da noite a gente chega em nossa casa, se não tiver transito, é
claro. Arrumo a casa, varro a casa, puxo água da cisterna. A roupa a gente lava
no domingo. A menina que tem 9 anos ajuda, agora o rapaz de 19 não quer nada,
né. Eu tinha vontade de ficar em casa cuidando do marido, dos filhos. O
trabalho doméstico fora de casa é muito desgastante, mas a gente quer ver o
dinheiro, e distrai também (...). O marido em casa não ajuda em nada. (MULHER
E).
O que leva as mulheres a trabalharem em
condições tão desgastantes para elas como mães, esposa e com a própria casa
para cuidar. É provável que seja uma forma de se sentirem participantes,
reconhecidas como sujeitos, trabalhando numa atividade fora de casa, já que o
trabalho em casa “não rende”, ou seja não lhes garantem uma renda.
A partir disso podemos
dizer que as mulheres domésticas também fazem parte do grupo de mulheres que
vivenciam diariamente e sofrem a tensão permanente para articular o trabalho
remunerado no espaço público (casa da patroa) e o reprodutivo no espaço privado
(própria casa), porém são elas que mais sofrem a dupla jornada de trabalho. Para
piorar, elas apesar da Lei 150 possuem na prática a jornada de trabalho realizada,
de 12, 13 horas diárias fora de casa e têm que dar conta das responsabilidades
relegadas às mulheres nas suas próprias casas. A partir de uma lógica opressora,
as empregadas domésticas garantem o suporte necessário para outras mulheres bem
sucedidasassociaremde forma mais fácil trabalho reprodutivo e remunerado, mas
elas mesmas não contam com condições de dar conta dessas duas dimensões da
vida.
2.4 - A PATROA E A
EMPREGADA
Sendo uma constante para as mulheres
entrevistadas, depois de adultas e com família, a experiência profissional na
casa da “madame”, chegamos a conclusão, através de análise de suas falas, do
porquê dá permanência na casa da patroa: Na casa da “madame” podem assinar a
carteira (independência financeira). Para nós a “madame” fica sendo a pessoa
que explora, paga pouco, é exigente, queàs vezes não dá nem comida, porém as
entrevistadas não se sentem exploradas pela “madame”. Segundo uma das mulheres,
quando a patroa elogia seu serviço, fica toda orgulhosa.
Tal fato nos remeteu ao início do livro
“A Corrosão do Caráter”, no qual, Sennett (1999) argumenta que o capitalismo reconfigurou-se
passando a possui uma natureza flexível, contrária a rigidez burocrática, as rotinas
exageradas e aos significados do trabalho na vida das pessoas, as quais não
sabem os riscos que correm, não sabem se chegarão a algum lugar, e que colocam
em dúvida o próprio senso de caráter pessoal. Para Sennett (1999), caráter é
(...) o valor ético que atribuímos aos nossos próprios desejos e às nossas
relações com os outros, ou se preferirmos ... são os traços pessoais a que
damos valor em nós mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem (SENNETT,
1999,p. 10).
Sobre a aposentadoria e a pensão,
percebemos não terem uma idéia bem determinada ainda, em termos de futuro.
Quando conversamos a respeito do futuro, da velhice, diziam que ou “não sabiam
como ia ser”, ou que “agora tinha uma lei nova para as empregadas domésticas e
que as coisas iriam melhorar”, mais não a conheciam muito bem.
2. 5 - O SIGNIFICADO DO
TRABALHO EM SUAS VIDAS
A importância do trabalho na vida das
pessoas, não só como de subsistência, mas, também, como valorização pessoal,
leva este grupo de mulheres a prosseguirem em suas lutas. É uma maneira também
de se sentirem mais independentes financeiramente dos maridos, apesar do pouco
que ganham. Além, de sentirem-se importantes diante de suas vizinhas que não trabalham
fora.
Consideram o trabalho, apesar de desgastante
fisicamente, “um remédio para os nervos”. A questão da saúde aparece
relacionada à “doença dos nervos”. Elas se sentem alegres trabalhando, o que às
distraem, visto que segundo elas o trabalho de casa com os próprios filhos faz
com que fiquem nervosas. “Não só porque os filhos não podem
ficar sem os cuidados de suas mães, mas também porque, como se diz nesses lugares,
para as mulheres não há ‘paralisação do trabalho’, [...]”. (DEJOURS, 1992, p.
31-32).
No entanto, outra com uma consciência contrária
relacionou o problema “dos nervos” que teve ao seu trabalho, o qual qualificou
como “muito desgastante”.
Constatamos, também, que o trabalho pode
representar uma forma de lazer. Das 7 mulheres entrevistadas, 2 vão à igreja
evangélica aos domingos. Uma terceira freqüenta um centro espírita, às quartas
feiras, onde toma passes, reza e aprende a bordar. Outras duas só saem para
trabalhar. É quando, segundo elas, “se esquecem de seus problemas”. Nunca saem
com os maridos ou com os filhos. Apenas uma disse sair aos sábados para dançar
forró, e aos domingos para dançar fank no “baile da favela”.
Tínhamos como hipótese ao elaborarmos o
projeto de pesquisa: as mulheres gostam de trabalhar, e no trabalho encontram
suas amigas, riem, conversam e se distraem, apesar das condições a que estão
sujeitas nas casas das patroas? O trabalho de certa maneira para algumas
representa algo importante, pessoal, como mulheres que são? Para outras a importância
não está no trabalho em si, mas sim no dinheiro que ganham o que lhes permite
não contar apenas com o dinheiro do marido?No entanto, muitas dessas mulheres
não percebem o quanto entregam suas vidas para o trabalho. A maioria dessas
mulheres acredita que precisam ser gratas por terem um “emprego”, pois é esse
que garante atingir seus objetivos, ou seja, comprar seus objetos de consumo,
estímulo que faz com que trabalhem cada dia mais sem medir esforços para conquistar
estes prêmios.
Se sentem amigas umas das outras. Como
moram na mesma comunidade são vizinhas, mas é no trajeto para o trabalho quando
mais conversam. Elas consideram esse momento o momento delas, sem marido, sem
filhos, sem família. Relatam que quando chegam ao centro de Niterói às 6 horas
da manhã, é quando se confraternizam de verdade em uma lanchonete dentro do
terminal de ônibus. É neste momento que rola a troca de risadas, conversas,
piadas, de contação de casos, e até uma paquera.
Segundo os depoimentos das
entrevistadas, atualmente as patroas não estão querendo contratar empregadas
domésticas mensalistas para não precisarem assinar carteira. Algumas trabalham
como diaristas, ou seja, trabalham dois dias na semana para cada patroa. Dizem
conhecer mulheres que não conseguiram mais trabalho de doméstica, nem como
diarista. Por causa disso estão trabalhando com “reciclagem”, catando lixo,
outras lavam roupa ou costuram para as vizinhas. Elas se sentem superiores e
orgulhosas em relação a essas mulheres que não conseguem mais trabalho. Assim
falaram:
Eu
tenho orgulho, eu não sei por que, eu não sei muito bem o que sinto no meu
serviço, mas eu gosto. Eu gosto quando a minha patroa me elogia. Não sei por
que, uma coisa se move dentro de mim, e eu gosto. Eu acho muito importante uma
mulher ser trabalhadora. A pessoa tem que ser trabalhadora honesta. É só isso
que eu penso, tenho, tenho muito orgulho. (MULHER F).
Presumimos que o trabalho doméstico no
espaço público também abarca o conjunto de atividades associadas à reprodução
da vida, tais como: alimentação, do vestuário, da higiene, do cuidar, etc. Sua
especificidade situa-se fora do mercado, isto é, não produz mais-valia. Pode
ser que essas mulheres não sejam exploradas, mas oprimidas pelas suas patroas.Albarracín
fala sobre isso da seguinte maneira:
[...]
se uma mulher faz a comida diária em outra família que não a sua, em troca de
um salário, não estamos na presença de um trabalho doméstico, mas de um
trabalho assalariado. [...] De fato, a relação familiar à que ela está
submetida não é uma relação de exploração, já que dela não se extrai
mais-valia, mas de opressão. (ALBARRACÍN, 1999, p. 47-48).
3 – FINALIZAÇÃO DAS
IDÉIAS
Emprego Doméstico - Uma Relação Ideológica
Ideologicamente, o emprego
doméstico ainda é desqualificado e inferiorizado, já que não exigi estudo ou
preparação para o seu desempenho e ficando na maioria das vezes a cargo das
mulheres. Essas acarretam para si uma carga de
culpa, por conta do distanciamento provocado pelo emprego doméstico, dos seus
filhos e das responsabilidades domésticas do seu próprio lar, enquanto que,
para os homens, esse tipo de dilema nunca ou dificilmente é posto.
Outro ponto importante é que
persiste nessa equação o fato do envolvimento, dentro da casa da patroa, dois
tipos de relação: a profissional e a familiar. Visto que, geralmente quando se
quer mostrar a “proximidade” entre patrões e empregadas domésticas, estas
últimas são referidas como se fossem “da família” ou chamadas de “secretarias
do lar”.
O grande problema está no fato de
ideologicamente mascarar a posição submissa que as empregadas ocupam,
geralmente inferior, ocultando propositadamente as desigualdades neste tipo de
relação e sua recorrência na sociedade capitalista e patriarcal brasileira.
Outro problema é, sabe-se que o
trabalho doméstico remunerado ainda possui altas taxas de informalidade e
rotatividade apesar da Lei 150. Essa que regulamenta o trabalho das domésticas
ainda é muito recente, o que ocasiona falta de conhecimento de direitos.
Diante do retrato esboçado pela
nossa pesquisa, é possível perceber que ainda há grandes desafios principalmente
ideológicos, mas também, pessoais, sociais e econômicos para as mulheres quanto
à articulação entre o trabalho doméstico e o remunerado, apesar do avanço no
mercado de trabalho, universo inicialmente dominado pelo gênero masculino.
Presumimos que, essas mulheres adquiriram
um empoderamento mais consciente nas suas relações familiares, conjugais e
laborais. Entretanto, ainda esbarram na impossibilidade de compartilhar as
responsabilidades do trabalho reprodutivo e do cuidado da família.
4 – REFERENCIAS BIBLIOGRAFIAS
ALBARRACÍN, Jésus. O trabalho doméstico e a lei do valor.
In FARIA, Nalu; NOBRE, Miriam (orgs.). O Trabalho das mulheres: tendências
contraditórias. São Paulo: SOF Sempreviva Organização Feminista, 1999.
DEJOURS, Cristophe. A loucura do trabalho: estudo da
psicopatologia do trabalho. 5 ª ed. Ampliada – São Paulo: Cortez – Oboré,
1992.
DIEESE.
Trabalhadores Domésticos. 2011.
KALOUSTIAN, Silvio Manoug. Família Brasileira: a base de tudo. São
Paulo Cortez, Brasília, DF: UNICEF.1992.
MARX, Karl. O
Capital – Crítica a Economia Política. 3ª edição, São Paulo, Nova Cultural,
1988.
SENNETT,
Richard. A Corrosão do caráter:
conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Trad. Marcos
Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999.
Apresentação
de Trabalhos Monográficos de Conclusão de Curso / UFF. – 10ª
Ed. Ver. E atualizada por Estela dos Santos Abreu e José Carlos Abreu Teixeira.
– Niterói. EDUFF, 2012.
http://www.domesticalegal.com.br. Acesso em 08/07/2017.
ANEXO
1
ROTEIRO DA ENTREVISTA REALIZADA COM AS DOMÈSTICAS
·
Nome:Idade:Estado Civil:Número de
filhos:Local de nascimento:
·
Profissão e grau de escolaridade:Já teve
outras experiências profissionais?
·
Gosta de trabalhar?Gosta de trabalhar
como doméstica?
·
Porque você trabalha?Considera o
trabalho importante para a mulher?
·
Como divide o trabalho de casa com a
família, com o trabalho fora de casa?
·
Os demais membros da família ajudam no
trabalho doméstico privado?
·
Se pudesse escolher, que tipo de
trabalho gostaria de fazer?
·
Fale um pouco de você, de sua vida em
família.
O que faz nos fins de semana?
O que faz nos períodos em que não
trabalha fora de casa?
·
Vai a alguma reunião de Igreja,
Associações, etc...?
·
O que você espera para seus filhos?
·
Você tem carteira assinada?
Possui algum benefício social?
·
Tem boa saúde?
·
O que representa trabalhar para você?