terça-feira, 31 de julho de 2018


SINTA, PENSE, AVALIE E AJA...


Cláudio Alves de Melo

Perguntaram-me: Qual o método?
Respondi: O que liberta.
Perguntaram-me: Qual o objetivo?
Respondi: Libertar.
Perguntaram-me: Qual a teoria?
Respondi: A libertária.
Perguntaram-me: Como?
Respondi: Assim!
Não minta. Argumente!
Não discurse. Converse!
Não complique. Explique!
Não repita. Reflita!
Não simule. Seja coerente!
Não obscureça. Esclareça!
Não suje. Embeleze!
Desmonte para demonstrar.
Desmanche para ornamentar.
Nem ordem, nem desordem,
Nem inversão, nem subversão.
Apenas dê sentido a tudo isso...
Transforme o borrão num desenho.
Assuma: Eu quem fiz...
Siga o seu caminho, respeitando o compasso dos outros...
Então:
Sinta, pense, avalie e aja...

domingo, 29 de julho de 2018


MEU COTIDIANO EM FOTOS – O QUE VEMOS?



Cláudio Alves de Melo 


 ABERTURA

A cada segundo, inúmeras, diferentes e inusitadas fotografias surgem no universo imagético, em especial o virtual, visto que o crescimento das redes sociais acontece de forma intrigante. E assim, nos ligamos, ou seria nos conectamos a todo o tipo de reprodução do cotidiano dos sujeitos, às vezes de foro íntimo, por meio das lentes de todo tipo – de celulares, de câmeras fotográficas e até de canetas espiãs, entre outras tantas. Com isso, presumimos que a fotografia, do lambe-lambe às lentes dos smartphones, vive um momento histórico, pois não só os fotógrafos profissionais tiram fotos, mais qualquer pessoa. Com um celular na mão podemos tirar fotos incríveis.

Atrevemos-nos a dizer que a fotografia é a forma de comunicação e linguagem mais universal que temos hoje na pós-modernidade. No entanto, nós seres humanos não estamos entendendo perfeitamente quais as vantagens do acesso fácil a essa fantástica forma de ver, ler e entender o mundo.

Portanto, é necessário desenvolvermos uma educação imagética no sentido de ver, ler e entender uma sociedade que se comunica por meio dos símbolos e significados nas fotografias. Pois, “A imagem produzida pelo homem, segundo diferentes concepções e estilos, diz ao homem, em cada época, quem o homem é” (MARTINS, 2008, p.20). Pode ser que no futuro o sujeito que não souber ler e entender as imagens não lerá nem tão pouco entenderá a realidade. Mas para ler e entender o que as imagens falam, não é suficiente apenas olhar uma imagem por um minuto, se exige mais do que isso, é necessário dedicar tempo e atenção para nessa ordem - parar, refletir, descrever para compreender e interpretar, a fim de apreendê-la como objeto de conhecimento.


DISCUSSÕES TEÓRICAS

Então como podemos ler uma foto, uma imagem? Para isso, devemos procurar entender o contexto da fotografia analisando as correlações entre as formas e conteúdos existentes nela. Para reconhecermos e interpretarmos os símbolos – o alfabeto - que se juntam codificando as palavras, e, por conseguinte as expressões são necessários conhecimentos prévios e, com as fotos e imagens não é diferente. Se um texto pode possuir diversas interpretações, as fotos e as imagens também podem provocar múltiplas leituras.

O fotografo, seja ele profissional ou não sempre tem algo a dizer quando fotografa algo ou alguém, assim como o escritor que escreve uma história, como o poeta que escreve um poema, como o compositor que escreve uma música.

As mensagens imagéticas possuem significados pré-concebidos pela cultura e para entendê-los necessitamos de códigos imagéticos de leitura que os dê sentidos. Ao olharmos a foto de uma árvore, se não soubermos o que é uma árvore, não vamos entender ou vamos entender de forma incipiente a mensagem que ela passa. Mas, ao olharmos temos que ir além do simplesmente ver. Isto é, ao olharmos as fotos, interpretamo-las, e assim podemos manter ou mudar a percepção daquilo que vemos conforme o tempo, a importância e a conjuntura que damos a tal ação. Assim como em uma história, poema, música, ou seja, a um texto de forma geral, quando interpretamos uma imagem estamos dando significados a ela. É dar sentidos possíveis para aquilo que a fotografia está dizendo. 

Cabe lembrar, que nosso pré-julgamento pode nos influenciar em nossa interpretação. A obviedade de nossos olhos fundamentados nos rótulos e ideologias pode confundir-nos e o resultado de nossa interpretação ser equivocado. Vamos realizar um exercício: Ao olharmos uma fotografia de uma casa “bonita”. O que vemos? Uma casa “bonita”. Mais o que é uma casa “bonita”? Vamos entender o que é uma casa “bonita” a partir do padrão de boniteza que aprendemos culturalmente o que condicionará e interferirá em nossa interpretação. Sendo assim, tudo que se opõe ao nosso padrão visual pré-determinado será reconhecido como feio, ou seja, a fotografia de uma casa no sertão do nordeste será vista como feia. Visto que, nossa interpretação se molda pela classificação rápida e superficial, e assim abstraímos tudo aquilo que não pode ser visto instantaneamente.

Para nós lermos as fotografias é preciso enxergar além do que é mostrado, ou seja, como, onde, para quê e para quem é mostrado. Claro que essa tarefa não é simples, e vai depender de conhecimento da visão de mundo que compartilhamos. Um bom exemplo é quando nós realizamos a leitura de imagens produzidas por outras pessoas e a leitura que elas fazem da nossa produção, visto que as fotografias possuem concepção e contexto, ou seja, para ler as fotografias, é necessário ir além, explorando seu entorno, seus detalhes, suas cores, seus atores, etc, para conseguir uma interpretação, ou seja, para conseguir juntar seus fragmentos.

A fotografia junta fragmentos visuais. Sem a imagem a cotidianidade seria impossível. Mesmo quando não temos uma fotografia para cada situação, o imaginário cria a imagem em nós e para nós. De certo modo, em boa parte, hoje, pensamos fotograficamente. (MARTINS, 2008, p.43).

Em fim, a leitura de fotografias exige sensibilidade, reflexão, ação e avaliação, não necessariamente nesta ordem. Dessa forma, o processo de interpretação acontece a partir da exploração da fotografia e não do simples ato de reconhecimento. Partindo da correlação entre os sentidos, os conhecimentos e a percepção.

Vejamos a interpretação dada a algumas fotos tiradas em nosso cotidiano. Elas foram numeradas e nomeadas a partir da interpretação feita, as quais quando vista por outros sujeitos podem receber interpretações diferentes.


FOTO 01 – O TAL RELÓGIO


A fotografia mostra um relógio de parede marcando 4 horas da madrugada. Ela está simbolizando o início do nosso cotidiano. O despertador toca: “Alarme desligado”. Levanto tonto de sono, estico os braços para acabar com a sensação de sofrimento de ser despertado pelo mesmo som todos os dias. Saio do quarto, chego à sala e olho o tal relógio na parede e percebo que lá se foram os cinco primeiros minutos do meu dia. Tomo banho, me visto. De novo olho o relógio e lá se foram mais 15 minutos. Enquanto pego dois pães franceses para passar manteiga, tiro o leite da geladeira, penso: “Que horas são?” e novamente me pego olhando o tal relógio, e lá se foram mais 5 minutos. “Mas o café, ah, o café…”. Quando me dou conta, seu aroma irresistível me convida, me convida a novamente olhar o tal relógio. E lá se vão os minutos passando um a um... Nossa! Rapidamente tomo o café, termino de vestir, calço os sapatos, pego a mochila, conto o dinheiro da passagem do ônibus, tudo olhando o tal relógio. E ao abrir a porta para sair, não resisto e olho pela última vez o tal relógio. É hora de ir... E todo dia é tudo sempre igual: o tal relógio me convida sutilmente ao mundo, à sociedade, a pós-modernidade.


FOTO 02 – O PORTAL DO INFERNO


Essa foto representa parte do meu cotidiano, minha chegada ou saída ao Centro de Niterói. Interpreto essa foto da seguinte maneira. Vejo a entrada do terminal João Goular como a entrada e saída de pessoas infelizes, sobrecarregadas, insatisfeitas, perdidas, etc, etc. O que seria o Portal do Inferno? De acordo com o site “Aventuras na História” é uma dessas entradas para o submundo das trevas, para lá levavam animais saudáveis para sacrificarem aos demônios. Enquanto os animais morriam rapidamente, os sacerdotes que os levavam voltavam à superfície para continuar seu jogo sujo de persuasão. É exatamente como vejo esse grande portal de entrada e saída de pessoas como eu que são levadas para o matadouro, as pessoas que por ali passam parecem perdidas, sem rumo, tristes, oprimidas, em busca de algo que nem elas sabem exatamente o quê. Silenciosamente vamos ou somos levados como animais irracionais para sermos sacrificados ao deus “trabalho” ou ao deus “consumo”.


FOTO 03 – CAOS ORGANIZADO 


Fotografia da principal Avenida do Centro de Niterói – Avenida Amaral Peixoto. Meu cotidiano vai acontecendo em meio a esse caos organizado. A aparente organização serve para ocultar o caos que nela existe. Pessoas se conversam diante de um jogo sutil. Organizadamente cada sujeito procura obter vantagem. Então eu me pergunto: quem vai ganhar o jogo? Nem todas as pessoas ganharão, “[...] porque o número de recompensas disponíveis é limitado. Nesse caso, competimos uns com outros [...]” (BAUMAN e MAY, 2010, p. 34). Tudo muito organizado: os prédios um do lado do outro, os carros param no sinal fechado para os pedestres atravessarem calmamente, tudo no seu lugar. Será? Onde está o rapaz engraxate que se prepara para dar mais um golpe do “limpa tênis? Onde está o morador de rua invisível com os pés cheios de feridas? Onde está o camelo que vende mercadorias que dizem ser roubadas? Onde estão as crianças abandonadas? Onde estão as Marias e os Josés? Onde estão muitos outros? Nós os vemos nas sombras dos prédios, escondidos, invisíveis, esquecidos. Estão assim, para que não desorganizem o caos. Como vivemos em uma sociedade capitalista, que põe o lucro acima de tudo, a suspeita da organização se encarreira na direção da manutenção da fachada. Goffman (2011) observa que a procura incansável pela manutenção da fachada e sua relação com aprovação social fazem do homem seu próprio carcereiro. Na realidade, nada organizado está, e todos que estão ali e acolá estão a espreita de uma vítima para poder ganhar o jogo. Costumamos dizer que somos vítimas e algozes uns dos outros.


FOTO 04 – A CARGA ACABOU


Essa foto simboliza meu cansaço. É a foto de um quadro que nós mesmos fizemos com canetas vazias. Podemos ver que além de estarem sem carga, elas estão dispostas uma sobre as outras desordenadamente. Olhamos para ele e vimos que podia representar o fim do nosso cotidiano. Ao final do dia estamos completamente vazios de energia, de humor, de alegria... As atividades que realizamos ao longo do dia deveriam nos satisfazer, mas intrigantemente não nos satisfazem, temos sempre a sensação de estar faltando algo. Cansados e insatisfeitos voltamos para casa como as canetas, vazias e com a vida abstratamente (des)organizada.


FOTO 06 – RECOLHIMENTO


Essa foto retrata a finalização por completo do nosso cotidiano. É quando nos recolhemos. Subjetivamente associamos a casa de maribondo a nossa casa. Quando chego à minha casa é como se eu estivesse entrando numa caverna. Estranhamente eu gosto de estar nessa caverna, me sinto bem só. E para falar a verdade, gostaria muito de entrar concretamente numa caverna e lá ficar. Essa casa de maribondo me passa paz e, é exatamente o que sinto ao chegar à minha casa, no entanto, nossa liberdade continua, mesmo em casa, condicionada. 


ENCERRAMENTO 

Descrever as atividades que realizamos no decorrer do nosso cotidiano e analisá-las superficialmente não é difícil, mas, como nós experimentamos a simples ação de fazer o café da manhã todos os dias pode se tornar uma experiência singular, quando vista por um ângulo diferente. Nosso cotidiano se tornou tão corrido que acabamos por experimentar a vida de maneira automática e superficial. As atividades que realizamos durante o decorrer do nosso cotidiano nos passa uma normalidade até daquilo que não precisamos experimentar. Quando fotografamos nossas experiências cotidianas, ao vê-las atentamente descobrimos o que foi escondido individual e coletivamente pelo subconsciente.

Ao ver as fotografias do nosso cotidiano descobrimos também que não somos autênticos, não vivemos uma vida autentica, nossas vidas são iguais a vida dos outros, nossas realizações são iguais demais. Pode ser que o discurso da diferença e da diversidade esteja provocando um efeito inesperado, contrário – estamos nos tornando iguais demais.

A nosso ver estamos inseridos em um contexto de modo de vida que dita como devemos conduzir nosso cotidiano, ou seja, não somos verdadeiramente livres para conduzimos nossa vida. No entanto, todo dia provavelmente - eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles, elas - continuaremos automaticamente e superficialmente realizando tudo sempre de igual modo. Como a bela música diz: “Todos os dias é um vai e vem. A vida se repete na estação. Tem gente que chega para ficar Tem gente que vai...”. E aí, como foi o preparo do seu café da manhã hoje?


BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Zygmunt e MAY, Tim. Alguém com os outros. In: Aprendendo a pensar com a sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2010. P. 33-50.

GOFFMAN, Erving. Sobre a preservação da fachada. Uma análise dos elementos rituais de interação social. Ritual de interação: ensaios sobre o comportamento face a face. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

MARTINS, José de Souza. A fotografia e a vida cotidiana: ocultações e revelações. In: Sociologia da fotografia da imagem. São Paulo: Contexto, 2008, 33-62.

Música: Encontros e Despedidas. Compositores: Milton Nascimento e Fernando Brant.

Reportagem: Cientistas Explicam Mistério do Portal do Inferno. Disponível em: https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/misterio-portal-inferno.phtml. Acesso em 17/06/2018.

Postagem em Destaque

Análise do Livro OLIVEIRA, Lais e GALVÃO, Maria Clara. Da Escola Para o Mundo: projetos integradores . 5º ano: ensino fundamental, ano...