A LDB E A EDUCAÇÃO INFANTIL - TRAÇOS DE
UMA VISITA
Cláudio Alves de Melo
1 - ABERTURA E SISTEMATIZAÇÃO
O presente ensaio foi construído baseando-se em uma pesquisa de
“Diagnóstico Rápido”, realizada a partir de uma "visita institucional"
a uma UMEI de São Gonçalo/RJ. Cabe dizer que não citarei o nome da referida
creche, visto que foi acordado com a direção que por se tratar de uma pesquisa
acadêmica informal não mencionaria o nome da mesma.
Ao longo da visita observamos várias coisas, daí produzimos um
relatório descritivo, com o intuito de realizar uma análise interpretativa em
relação ao reconhecimento da criança de 0 a 5 anos como sujeito de direitos. Durante
nossa pesquisa de “Diagnóstico Rápido”, buscamos ver a creche como um espaço
eminentemente educativo. Para isso elaboramos um roteiro de entrevista, com
perguntas abertas e fechadas, com o objetivo de colhermos informações relevantes
implícitas e explícitas. Dessa forma, podemos construir um breve perfil institucional
da referida UMEI, vejamos:
l Atualmente a creche possui 200 crianças de 0 a 5 anos matriculadas em período
integral;
l Todas as crianças são moradoras da comunidade;
l A única exigência para que a criança ganhe a vaga na creche é que elas
tenham entre 0 a 5 anos de idade;
l A creche foi criada há 10 anos e conta no momento com o apoio de vários
profissionais, como: 1 Assistente Social; 1 Nutricionista; 1 Enfermeiro; 1 Psicólogo,
5 professores, sendo duas com formação superior em pedagogia, 5 funcionários de
apoio. Com exceção dos professores, os profissionais não são fixos, fazem uma
visita semanal, e ou para prestar atendimento quando necessário;
l Todas as crianças possuem prontuários contendo informações básicas sobre
elas;
l As crianças recebem quatro alimentações durante o dia;
l São realizados diversos tipos de encontros com outras creches, nos quais
são discutidos projetos, metodologias.
l A creche procura passar o conteúdo escolar por meio de atividades criativas
e divertidas, tais como: jogos lúdicos, vídeos, contação de histórias,
dramaturgia, etc;
l A creche não possui representantes em conselhos ou fóruns de educação.
Presumimos que como as crianças matriculadas na creche vivem inseridas
em certo grau de vulnerabilidade e risco social por residirem em uma comum
idade pobre da região, são vistas como “necessitadas”, assim a creche visitada acaba
desenvolvendo, apesar da boa intenção, uma educação fundamentada em ideias
compensatórias e assistencialistas, porém, com metodologias pedagógicas apropriadas.
Cabe lembrar, que basicamente, as creches foram aparecendo ao longo
da história, como instituições educacionais que se preocupavam com o cuidar,
eram instituições voltadas ao cuidado especialmente das crianças dos operários
que trabalhavam nas fábricas, com a justificativa de distanciá-las das pressões
advindas dos espaços públicos (rua).
Na sociedade brasileira a creche ganha importância a partir dos
longos e acalorados debates em âmbito nacional ao longo da década de 1980.
Nesses debates, a educação infantil recebeu destaque, bem como suas crises e
dualidade. Pensamos ser neste período que foi constatado com mais clareza a
dualidade existente na educação infantil do Brasil, ou seja, a “perversa”
existência de dois projetos pedagógicos societários. O primeiro fundamentado
nos princípios da eficiência e eficácia, direcionado as crianças de 0 a 5, filhos da elite. E o
segundo, visto, pasmem, como favor, direcionado aos filhos da parcela
populacional mais pobre de nosso país, com um viés assistencialista. Percebemos
que as creches voltadas para esse segmento funcionam, muitas vezes como
depósito de crianças, visando apenas à guarda da criança, tornando evidente a
existência de classes sociais antagônicas. Cabe dizer, que não estou
generalizando, pois sei que existem creches públicas que atendem adequadamente
seus alunos, e são referências, a essas meus parabéns.
2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS
Vamos nos orientar por um viés de pensamento crítico dialético,
pois sabemos que apesar dos contornos duais que educação infantil possui isso
pode mudar. Pensamos que os intermináveis debates realizados em torno da
educação do Brasil podem ser usados como instrumento para possíveis mudanças no
sistema educacional. Como afirma Gohn (2006):
Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como
prioridade a mudança social, qualificando seu sentido e significado, pensem
alternativas não excludente que contemple valores de uma sociedade em que o ser
humano é o centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e
social, o poder em suma. (GOHN, 2006: p. 37).
No sentido de apimentar nossas discussões, contrapondo-se a
afirmação acima, a educação difundida pelo neoliberalismo leva o educando, perversamente,
a tentar permanecer em um processo de ensino aprendizagem, desde a educação
infantil até a educação superior, que não só o exclui e para quem consegue
permanecer, o faz reprodutor de consenso, priorizando uma formação extremamente
funcional. Nesta lógica, "a educação é uma "habilitação",
isto é, o domínio de técnicas." (JR, 2002: p. 38).
A educação de modo geral só será fator de mudança social, na medida
em que a mesma não se preocupe somente em formar sujeitos eficientes e
eficazes, mas em formar sujeitos “sociais”, ou seja, um sujeito que sinta,
pense e aja autonomamente, e não um sujeito reprodutor de ideologias impostas.
Assim, o processo ensino aprendizagem passa a ser um mecanismo de formação
cidadã, formando cidadãos sociais, com capacidade de apreensão crítica da realidade
em que eles e os outros vivem.
Para efeitos de delimitação de tema de pesquisa, vemos a UMEI como
um espaço educativo muito importante, ou atrevo-me a dizer “o mais importante”
para o perfeito e pleno desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança de 0 a 5. Não podemos deixar de
realizar um movimento crítico em relação ao nosso objeto de pesquisa a "educação
infantil", considerando o espaço da UMEI um espaço privilegiado na
formação de um cidadão social. Sabemos da visão funcional, utilitarista e
disciplinadora que a educação infantil adota atualmente, preocupada com a
formação de indivíduos aptos e dóceis para o trabalho.
A criança de 0 à 5 anos deve ser vista a partir de suas múltiplas e
peculiaridades necessidades, só assim, essas se desenvolverão plenamente,
garantindo de fato todos os seguintes
direitos:
- Respeito aos direitos fundamentais da criança;
- Comprometimento com o bem estar e o desenvolvimento da criança;
- Reconhecer que as crianças têm o direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante;
- Reconhecer que as crianças têm direito à higiene e à saúde;
- Reconhecer que as crianças têm direito a uma alimentação saudável;
- Reconhecer que as crianças têm direito à brincadeira;
- Reconhecer que as crianças têm o direito a ampliar seus conhecimentos;
- Reconhecer que as crianças têm direito ao contato com a natureza.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 legitima a educação
infantil como um dever do Estado e um direito da criança de 0 a 5 anos. Portanto, a
educação infantil pública é um direito, e deve ser garantido pelos municípios
principalmente, cabendo a este manter qualitativamente uma educação infantil às
crianças de 0 a
5 anos de idade. Vejamos:
Art.
4º. O dever do Estado com a educação pública será efetivado mediante a garantia
de: IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas as crianças de 0 a 6 anos de idade; Art. 11º.
Os Municípios incumbir-se-ão de: V – oferecer a educação infantil em creches e
pré-escolas [...]. (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Nº 9394/96 – Arts.
4º e 11º).
Sendo assim, a creche e a pré-escola, que antigamente eram vistas
como um espaço de educação assistencial, desenvolvendo uma educação de guarda e
tutela das crianças "pobres", atualmente, desenvolvem suas atividades
a partir de um viés sócio educacional, o qual tenta uma ruptura com práticas
compensatórias e assistencialistas no âmbito da educação infantil.
No entanto, alguns municípios, ao fazermos uma leitura crítica,
ainda desrespeitam a LDB/96 negando uma educação infantil pública de qualidade.
Pois ainda encontramos:
Ausência
ou impedimento de acesso à creche ou pré-escola caracterizando-se, falta de creche ou
pré-escola, falta de vagas em creche ou pré-escola, falta de equipe
especializada para o atendimento de crianças de 0 a 5 anos, distância física
entre empresa/creche ou casa/creche ou pré-escola.
Impedimento
de permanência no sistema escolar de educação infantil caracterizando-se nas punições
abusivas, critérios avaliativos discriminatórios, expulsão indevida e constrangimento.
Ausência
de condições educacionais adequadas caracterizando-se na falta ou minimidade de (merenda,
professores, segurança, serviços especializados, materiais didáticos, ambiente
insalubre), ausência de informação aos pais e responsáveis, impedimento de
acesso aos critérios avaliativos;
Atos
atentatórios ao exercício da cidadania caracterizando-se na ausência ou impedimento de acesso aos
meios de transporte, à creche, à pré-escola, à participação política dos pais,
dos responsáveis, da família e da comunidade nas decisões referentes ao
processo educacional, não comunicação de maus tratos ao Conselho Tutelar,
faltas injustificadas, evasão escolar.
Para que aconteça de fato a garantia da creche e pré-escola como
espaços educacionais universais, de qualidade e laica, se faz necessário
promover ações coletivas - colegiado ou o diagnóstico participativo - dentro
desses espaços. Como afirma Gohn (2006):
São desafios e tarefas gigantescas. Não dá para contar apenas com
heroísmos de alguns gestores públicos bem intencionados ou de poucas lideranças
da sociedade civil, [...]. Não é mais possível permanecer no conformismo diante
de espaços dominados por antigos métodos clientelistas, [...]. Precisamos de
uma nova educação que forme o cidadão para atuar nos dias de hoje, e transforme
culturas políticas arcaicas, arraigadas, em culturas políticas transformadoras
e emancipatórias. Isso não se faz apenas em aulas e cursos de formação
tradicionais, formulados no gabinete de algum burocrata, e sim a partir da
pŕatica da gestão compartilhada escola/comunidade educativa, [...]. Participar
dos conselhos e colegiados das escolas é uma urgência e uma necessidade
imperiosa, [...], um aprendizado permanente, uma atividade de ação e reflexão.
(GOHN, 2006: p. 37).
Portanto, a creche e a pré-escola devem funcionar democraticamente,
as decisões devem ser coletivas, afim de que em conjunto, quem os constitui:
pais, funcionários, educadores e gestores possam geri-los através de uma
relação de escuta.
3 - ENCERRAMENTO
Neste ensaio, procuramos analisar durante a nossa pesquisa de
diagnóstico rápido, se a creche visitada desenvolve suas atividades no sentido
de provocar uma ruptura com a visão de uma educação infantil
"assistencialista", propondo práticas pedagógicas que torne a creche
e a pré-escola concretamente um espaço eminentemente educativo.
Vamos traçar alguns pontos importantes para as nossas conclusões,
vejamos:
1) É inegável os avanços ocorridos no
âmbito do direito à educação infantil, no entanto, entendemos que ainda existe
um abismo de má vontades políticas que separa a concretização de fato de uma
educação infantil universal, de qualidade, laica, e que veja a criança de 0 a 5 como um sujeito de
direitos.
2) Outra questão que devemos pontuar é em
relação a gestão coletiva, que no caso aqui, na esfera municipal, os gestores não
buscam promover as metodologias participativas no interior do território
escolar; ou seja, não há a preocupação da participação da comunidade local,
pais, responsáveis, educadores, funcionários e direção trabalharem juntos na
tomada de decisões referentes a gestão da unidade escolar, tornando-a uma
gestão partilhada. Pode ser que seja uma utopia pensar numa educação infantil que
faça toda a comunidade escolar e comunidade local participar das decisões
concernentes a unidade escolar.
3) O direito a educação é violado sutilmente, visto que existe: faltam
de profissionais capacitados, instrumentos precários no que diz respeito aos diversos
recursos necessários ao desenvolvimento adequado do processo ensino
aprendizagem, tais como: audiovisuais, brinquedos, jogos pedagógicos, material
escolar, uniforme de boa qualidade, espaço físico, e muitos outros, tal fato
afeta diretamente no fazer profissional dos educadores, e nas relações entre os
pares (profissionais, instituição, familiares, educandos) dando origens a
diversos conflitos e questionamentos.
4) Percebemos muitos erros, tais como: fazem a criança esperar, possuir
cargas horárias rígidas para alimentação, higiene e até descanso, seus
movimentos são controlados, possuem pouca liberdade de circulação, e o que é
inacreditável: encontramos práticas de castigo.
Esse conjunto de erros inaceitáveis, e que são vistos
como naturais no cotidiano escolar infantil retrata uma forma irresponsável de
ensinar, e viola os direitos a uma educação infantil garantida pela LDB/96, no
que diz respeito a um atendimento em creches e pré-escolas.
A passividade diante destas situações reforça e
legitima a todo o tempo relações de força e poder que extrapolam os limites do
território da creche e da pré-escola e revela a dualidade na trajetória
escolar.
4 - REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação - Lei Federal nº 9394 de 20 de dezembro de 1996.
BRASIL. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990.
COUTINHO, C. N. e TEIXEIRA, A. P. Ler Gramsci, entender a realidade.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
MELO, Cláudio Alves de (Org). Garantia de Direitos e Violência Contra a Criança de 0 à 6 no Âmbito da
Educação Infantil. Rio de Janeiro: Cartilha NUPPESS/Série Extremas
Idades/Vol. 1/Edição Online/2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de
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HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. O aparecimento da escola
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JR, Paulo Ghiraldelli. Pedagogia e infância em tempos
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Paulo Ghiraldelli. Infância, educação e noliberalismo. 3ª ed. São Paulo,
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NUNES, Deise Gonçalves. Integração ou apartação. O
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