terça-feira, 28 de agosto de 2018


A LDB E A EDUCAÇÃO INFANTIL - TRAÇOS DE UMA VISITA



Cláudio Alves de Melo


1 - ABERTURA E SISTEMATIZAÇÃO

O presente ensaio foi construído baseando-se em uma pesquisa de “Diagnóstico Rápido”, realizada a partir de uma "visita institucional" a uma UMEI de São Gonçalo/RJ. Cabe dizer que não citarei o nome da referida creche, visto que foi acordado com a direção que por se tratar de uma pesquisa acadêmica informal não mencionaria o nome da mesma.

Ao longo da visita observamos várias coisas, daí produzimos um relatório descritivo, com o intuito de realizar uma análise interpretativa em relação ao reconhecimento da criança de 0 a 5 anos como sujeito de direitos. Durante nossa pesquisa de “Diagnóstico Rápido”, buscamos ver a creche como um espaço eminentemente educativo. Para isso elaboramos um roteiro de entrevista, com perguntas abertas e fechadas, com o objetivo de colhermos informações relevantes implícitas e explícitas. Dessa forma, podemos construir um breve perfil institucional da referida UMEI, vejamos:

l  Atualmente a creche possui 200 crianças de 0 a 5 anos matriculadas em período integral;
l  Todas as crianças são moradoras da comunidade;
l  A única exigência para que a criança ganhe a vaga na creche é que elas tenham entre 0 a 5 anos de idade;
l  A creche foi criada há 10 anos e conta no momento com o apoio de vários profissionais, como: 1 Assistente Social; 1 Nutricionista; 1 Enfermeiro; 1 Psicólogo, 5 professores, sendo duas com formação superior em pedagogia, 5 funcionários de apoio. Com exceção dos professores, os profissionais não são fixos, fazem uma visita semanal, e ou para prestar atendimento quando necessário;
l  Todas as crianças possuem prontuários contendo informações básicas sobre elas;
l  As crianças recebem quatro alimentações durante o dia;
l  São realizados diversos tipos de encontros com outras creches, nos quais são discutidos projetos, metodologias.
l  A creche procura passar o conteúdo escolar por meio de atividades criativas e divertidas, tais como: jogos lúdicos, vídeos, contação de histórias, dramaturgia, etc;
l  A creche não possui representantes em conselhos ou fóruns de educação.

Presumimos que como as crianças matriculadas na creche vivem inseridas em certo grau de vulnerabilidade e risco social por residirem em uma comum idade pobre da região, são vistas como “necessitadas”, assim a creche visitada acaba desenvolvendo, apesar da boa intenção, uma educação fundamentada em ideias compensatórias e assistencialistas, porém, com metodologias pedagógicas apropriadas.

Cabe lembrar, que basicamente, as creches foram aparecendo ao longo da história, como instituições educacionais que se preocupavam com o cuidar, eram instituições voltadas ao cuidado especialmente das crianças dos operários que trabalhavam nas fábricas, com a justificativa de distanciá-las das pressões advindas dos espaços públicos (rua).

Na sociedade brasileira a creche ganha importância a partir dos longos e acalorados debates em âmbito nacional ao longo da década de 1980. Nesses debates, a educação infantil recebeu destaque, bem como suas crises e dualidade. Pensamos ser neste período que foi constatado com mais clareza a dualidade existente na educação infantil do Brasil, ou seja, a “perversa” existência de dois projetos pedagógicos societários. O primeiro fundamentado nos princípios da eficiência e eficácia, direcionado as crianças de 0 a 5, filhos da elite. E o segundo, visto, pasmem, como favor, direcionado aos filhos da parcela populacional mais pobre de nosso país, com um viés assistencialista. Percebemos que as creches voltadas para esse segmento funcionam, muitas vezes como depósito de crianças, visando apenas à guarda da criança, tornando evidente a existência de classes sociais antagônicas. Cabe dizer, que não estou generalizando, pois sei que existem creches públicas que atendem adequadamente seus alunos, e são referências, a essas meus parabéns.


2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS

Vamos nos orientar por um viés de pensamento crítico dialético, pois sabemos que apesar dos contornos duais que educação infantil possui isso pode mudar. Pensamos que os intermináveis debates realizados em torno da educação do Brasil podem ser usados como instrumento para possíveis mudanças no sistema educacional. Como afirma Gohn (2006):


Essas agendas devem contemplar projetos emancipatórios que tenham como prioridade a mudança social, qualificando seu sentido e significado, pensem alternativas não excludente que contemple valores de uma sociedade em que o ser humano é o centro das atenções e não o lucro, o mercado, o status político e social, o poder em suma. (GOHN, 2006: p. 37).


No sentido de apimentar nossas discussões, contrapondo-se a afirmação acima, a educação difundida pelo neoliberalismo leva o educando, perversamente, a tentar permanecer em um processo de ensino aprendizagem, desde a educação infantil até a educação superior, que não só o exclui e para quem consegue permanecer, o faz reprodutor de consenso, priorizando uma formação extremamente funcional. Nesta lógica, "a educação é uma "habilitação", isto é, o domínio de técnicas." (JR, 2002: p. 38).

A educação de modo geral só será fator de mudança social, na medida em que a mesma não se preocupe somente em formar sujeitos eficientes e eficazes, mas em formar sujeitos “sociais”, ou seja, um sujeito que sinta, pense e aja autonomamente, e não um sujeito reprodutor de ideologias impostas. Assim, o processo ensino aprendizagem passa a ser um mecanismo de formação cidadã, formando cidadãos sociais, com capacidade de apreensão crítica da realidade em que eles e os outros vivem.

Para efeitos de delimitação de tema de pesquisa, vemos a UMEI como um espaço educativo muito importante, ou atrevo-me a dizer “o mais importante” para o perfeito e pleno desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança de 0 a 5. Não podemos deixar de realizar um movimento crítico em relação ao nosso objeto de pesquisa a "educação infantil", considerando o espaço da UMEI um espaço privilegiado na formação de um cidadão social. Sabemos da visão funcional, utilitarista e disciplinadora que a educação infantil adota atualmente, preocupada com a formação de indivíduos aptos e dóceis para o trabalho.

A criança de 0 à 5 anos deve ser vista a partir de suas múltiplas e peculiaridades necessidades, só assim, essas se desenvolverão plenamente, garantindo de fato todos  os seguintes direitos:


  • Respeito aos direitos fundamentais da criança;
  • Comprometimento com o bem estar e o desenvolvimento da criança;
  • Reconhecer que as crianças têm o direito a um ambiente aconchegante, seguro e estimulante;
  • Reconhecer que as crianças têm direito à higiene e à saúde;
  • Reconhecer que as crianças têm direito a uma alimentação saudável;
  • Reconhecer que as crianças têm direito à brincadeira;
  • Reconhecer que as crianças têm o direito a ampliar seus conhecimentos;
  • Reconhecer que as crianças têm direito ao contato com a natureza.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 legitima a educação infantil como um dever do Estado e um direito da criança de 0 a 5 anos. Portanto, a educação infantil pública é um direito, e deve ser garantido pelos municípios principalmente, cabendo a este manter qualitativamente uma educação infantil às crianças de 0 a 5 anos de idade. Vejamos:


Art. 4º. O dever do Estado com a educação pública será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento gratuito em creches e pré-escolas as crianças de 0 a 6 anos de idade; Art. 11º. Os Municípios incumbir-se-ão de: V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas [...].  (Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Nº 9394/96 – Arts. 4º e 11º).


Sendo assim, a creche e a pré-escola, que antigamente eram vistas como um espaço de educação assistencial, desenvolvendo uma educação de guarda e tutela das crianças "pobres", atualmente, desenvolvem suas atividades a partir de um viés sócio educacional, o qual tenta uma ruptura com práticas compensatórias e assistencialistas no âmbito da educação infantil.

No entanto, alguns municípios, ao fazermos uma leitura crítica, ainda desrespeitam a LDB/96 negando uma educação infantil pública de qualidade. Pois ainda encontramos:

Ausência ou impedimento de acesso à creche ou pré-escola caracterizando-se, falta de creche ou pré-escola, falta de vagas em creche ou pré-escola, falta de equipe especializada para o atendimento de crianças de 0 a 5 anos, distância física entre empresa/creche ou casa/creche ou pré-escola.

Impedimento de permanência no sistema escolar de educação infantil caracterizando-se nas punições abusivas, critérios avaliativos discriminatórios, expulsão indevida e constrangimento.

Ausência de condições educacionais adequadas caracterizando-se na falta ou minimidade de (merenda, professores, segurança, serviços especializados, materiais didáticos, ambiente insalubre), ausência de informação aos pais e responsáveis, impedimento de acesso aos critérios avaliativos;

Atos atentatórios ao exercício da cidadania caracterizando-se na ausência ou impedimento de acesso aos meios de transporte, à creche, à pré-escola, à participação política dos pais, dos responsáveis, da família e da comunidade nas decisões referentes ao processo educacional, não comunicação de maus tratos ao Conselho Tutelar, faltas injustificadas, evasão escolar.

Para que aconteça de fato a garantia da creche e pré-escola como espaços educacionais universais, de qualidade e laica, se faz necessário promover ações coletivas - colegiado ou o diagnóstico participativo - dentro desses espaços. Como afirma Gohn (2006):


São desafios e tarefas gigantescas. Não dá para contar apenas com heroísmos de alguns gestores públicos bem intencionados ou de poucas lideranças da sociedade civil, [...]. Não é mais possível permanecer no conformismo diante de espaços dominados por antigos métodos clientelistas, [...]. Precisamos de uma nova educação que forme o cidadão para atuar nos dias de hoje, e transforme culturas políticas arcaicas, arraigadas, em culturas políticas transformadoras e emancipatórias. Isso não se faz apenas em aulas e cursos de formação tradicionais, formulados no gabinete de algum burocrata, e sim a partir da pŕatica da gestão compartilhada escola/comunidade educativa, [...]. Participar dos conselhos e colegiados das escolas é uma urgência e uma necessidade imperiosa, [...], um aprendizado permanente, uma atividade de ação e reflexão. (GOHN, 2006: p. 37).


Portanto, a creche e a pré-escola devem funcionar democraticamente, as decisões devem ser coletivas, afim de que em conjunto, quem os constitui: pais, funcionários, educadores e gestores possam geri-los através de uma relação de escuta.


3 - ENCERRAMENTO

Neste ensaio, procuramos analisar durante a nossa pesquisa de diagnóstico rápido, se a creche visitada desenvolve suas atividades no sentido de provocar uma ruptura com a visão de uma educação infantil "assistencialista", propondo práticas pedagógicas que torne a creche e a pré-escola concretamente um espaço eminentemente educativo.

Vamos traçar alguns pontos importantes para as nossas conclusões, vejamos:
1)  É inegável os avanços ocorridos no âmbito do direito à educação infantil, no entanto, entendemos que ainda existe um abismo de má vontades políticas que separa a concretização de fato de uma educação infantil universal, de qualidade, laica, e que veja a criança de 0 a 5 como um sujeito de direitos.
2)   Outra questão que devemos pontuar é em relação a gestão coletiva, que no caso aqui, na esfera municipal, os gestores não buscam promover as metodologias participativas no interior do território escolar; ou seja, não há a preocupação da participação da comunidade local, pais, responsáveis, educadores, funcionários e direção trabalharem juntos na tomada de decisões referentes a gestão da unidade escolar, tornando-a uma gestão partilhada. Pode ser que seja uma utopia pensar numa educação infantil que faça toda a comunidade escolar e comunidade local participar das decisões concernentes a unidade escolar.
3) O direito a educação é violado sutilmente, visto que existe: faltam de profissionais capacitados, instrumentos precários no que diz respeito aos diversos recursos necessários ao desenvolvimento adequado do processo ensino aprendizagem, tais como: audiovisuais, brinquedos, jogos pedagógicos, material escolar, uniforme de boa qualidade, espaço físico, e muitos outros, tal fato afeta diretamente no fazer profissional dos educadores, e nas relações entre os pares (profissionais, instituição, familiares, educandos) dando origens a diversos conflitos e questionamentos.
4)  Percebemos muitos erros, tais como: fazem a criança esperar, possuir cargas horárias rígidas para alimentação, higiene e até descanso, seus movimentos são controlados, possuem pouca liberdade de circulação, e o que é inacreditável: encontramos práticas de castigo.

Esse conjunto de erros inaceitáveis, e que são vistos como naturais no cotidiano escolar infantil retrata uma forma irresponsável de ensinar, e viola os direitos a uma educação infantil garantida pela LDB/96, no que diz respeito a um atendimento em creches e pré-escolas.
A passividade diante destas situações reforça e legitima a todo o tempo relações de força e poder que extrapolam os limites do território da creche e da pré-escola e revela a dualidade na trajetória escolar.


4 - REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei Federal nº 9394 de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de 1990.

COUTINHO, C. N. e TEIXEIRA, A. P. Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

MELO, Cláudio Alves de (Org). Garantia de Direitos e Violência Contra a Criança de 0 à 6 no Âmbito da Educação Infantil. Rio de Janeiro: Cartilha NUPPESS/Série Extremas Idades/Vol. 1/Edição Online/2012.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

GOHN, Maria da Glória. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. In: Ensaio: aval. pol. públ. Edc., Rio de janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-28, jan./mar. 2006.

HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. O aparecimento da escola moderna; uma história ilustrada. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

JR, Paulo Ghiraldelli. Pedagogia e infância em tempos neoliberais. In: JR., Paulo Ghiraldelli. Infância, educação e noliberalismo. 3ª ed. São Paulo, Cortez, 2002. Coleção Questões da Nossa Época: v. 61.

NUNES, Deise Gonçalves. Integração ou apartação. O acesso à educação infantil no contexto dos sistemas municipais de ensino. In: Revista Katálysis, vol. 8 nº 1 jan/julho de 2005.


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