sábado, 14 de setembro de 2019



Notas Críticas Sobre a Avaliação Escolar
Cláudio Alves de Melo

Sabemos que envolver as crianças no processo ensino/aprendizagem e gerir a progressão desse aprendizado não é uma atividade simples, pois exige que o educador observe e avalie processualmente as crianças em situações diversas, simples ou complexas, diagnosticando avanços e dificuldades.
A nossa escolha pelo tema “avaliação escolar” surgiu do estranhamento em notar como as práticas avaliativas de algumas escolas ao invés de promover aprendizagens acabam por contribuir principalmente: 1º) para o fracasso escolar e, 2º) para que os educadores se preocupem mais em medir a criança do que diagnosticar se ela está se desenvolvendo enquanto sujeito, instrumentalizando-a “[...] para uma reflexão crítica a respeito da escola e da ação pedagógica numa sociedade de classes.” (PATTO, 1992, p. 120).
Percebemos em nossas inserções no cotidiano escolar, que quanto mais se estuda sobre avaliação escolar, mais descobrimos a associação do processo ensino/aprendizagem a números e conceitos, os quais são usados como modo de valorização do saber adquirido pelos estudantes, dando-nos a sensação de um problema quase que insolúvel. Isso nos faz pensar que: Será que a aprendizagem conduz à autorrealização dos indivíduos como ‘indivíduos socialmente ricos’ humanamente [...] ou está ela a serviço da perpetuação, consciente ou não, da ordem social alienante e definitivamente incontrolável do capital?” (MÉSZÁROS, 2008, p. 47).
Visto isso, esperamos que esse ensaio venha contribuir com as expectativas dos leitores que tenham acesso às suas linhas e que possa servir como ponto de reflexão sobre a ação de avaliar quem estuda.
Estranhamente desde a catequização dos índios pelos jesuítas, no campo da avaliação escolar quase nada mudou. Tradicionalmente a avaliação escolar classificatória vem sendo aplicada as nossas crianças, selecionando-as em ótimas, boas, regulares, ruins, péssimas; rotulando-as como filhas de marginais, incapazes, sem disciplina, preguiçosas; considerando-as como recipientes vazios e, desconsiderando a realidade do estudante enquanto sujeito pertencente a uma determinada classe social

 A partir do estudo, baseado em Pèrez (2015), presumimos que as crianças, ao entrarem na escola, em geral, já chegam conhecendo algumas das funções da escrita e da leitura e fazendo alguns de seus usos sociais, pelo valor que essas linguagens têm em nossa sociedade. Isso desfaz a “trama lógico-discursiva que nomeia as crianças das classes populares como incapazes, insubordinadas, indisciplinadas e/ou portadoras de dificuldades de aprendizagem” (PÉREZ, 2015, P. 182).

O meio educacional já deveria saber que avaliar vai além de uma nota ou conceito dado a alguém. A ideia de que a avaliação escolar no sentido processual não é o fim, mas o meio do processo ensino aprendizagem coloca o estudante como o protagonista de sua própria aprendizagem.
A avaliação escolar nunca deve ser usada para medir a inteligência dos estudantes, tão pouco ser utilizada para compará-los, pois cada estudante tem seu próprio ritmo de aprendizagem, o qual deve ser avaliado processualmente, da seguinte maneira: o educador deve saber de onde o estudante partiu, daí estabelece-se um ponto de chegada onde ele pode chegar, atentando-se a cada ação, mostrando os erros e enfatizando os acertos. Patto (s/d) diz que devemos:

“[...] alertar os professores sobre os erros que cometiam enquanto portadores da cultura de ‘classe média’ e prepará-los para aceitar padrões culturais supostamente muito diferentes dos seus, tendo em vista encontrar as condições pedagógicas adequadas para aculturar seus alunos e propiciar-lhes condições de ascensão social”. (PATTO, s/d, p. 115).

Ao contrário disso, a tendência tradicionalista de ensino põe o educador como centro, como disciplinador autoritário, o conteúdo como algo dogmático e, o estudante como uma página em branco, ou seja, considera o estudante como um depósito vazio. De acordo com essa tendência de ensino a criança ao chegar à escola não traz e não tem nenhum conhecimento, esquecendo-se do fato de que todos os dias a criança convive com diversas pessoas, vivência e observa variadas situações em diversos espaços, e assim constrói uma realidade de mundo a partir do que analisa no seu cotidiano.
Cabe dizer, que a avaliação continua a ser utilizada como forma de controle disciplinar. Nesse sentido, Luckesi (1998) afirma que a avaliação pode ser vista como:

“[...] instrumento de punição, de contrariedade, que está ligada a um interesse, mas sua máscara é tão ardilosa que, embora surjam polêmicas e discussões, ela ainda continua com suas raízes fincadas ao autoritarismo, ao medo, ao desejo. O autoritarismo é elemento necessário para a garantia desse modelo social, daí a prática da avaliação manifestar-se de forma autoritária.” (LUCKESI, 1998, p. 28).
  
A avaliação escolar tradicional está tão entranhada em nossas escolas que se torna difícil promover entre os professores a possibilidade de uma avaliação mais humana e sensível, e talvez, mais eficiente. Basta passarmos um mês em uma sala de aula de qualquer escola que constatamos a aplicação de diversas avaliações tradicionais que acabam por valorizar o decoreba, as atividades sem sentido e atitudes de dependência intelectual dos estudantes. Nesse caso, os educadores mais parecem fiscais do saber.
No entanto, ainda podemos ter esperança, pois apesar de lento, o processo avaliativo na escola passa por constantes transformações, especialmente nas últimas décadas, e aos poucos vem se tornando parte do processo de ensino-aprendizagem dos estudantes, ou seja, ela deixa de ser um fim para ser um meio. Nessa perspectiva entra em cena a tendência construtivista que vê a avaliação escolar como um meio, como um processo, o qual valoriza o estudante enquanto sujeito de direitos, dono de um saber próprio.
A avaliação construtivista possui como objetivo promover à construção autônoma, livre, crítica e criativa do pensamento e do conhecimento, fazendo com que o estudante reflita sobre o conhecimento produzido e sobre suas potencialidades. Podemos dizer, então, que a avaliação construtivista avalia os estudantes por projeções e, não por notas ou conceitos.
Dessa maneira, a educação construtivista a partir de uma perspectiva transformadora, busca um modelo de instituição escolar que seja de fato democrática, que promova o acesso e a permanência dos estudantes oriundos das classes populares no sistema educacional. Sendo assim, a avaliação construtivista escolar vinculada a um projeto de educação emancipatório pretende formar sujeitos pensantes, críticos, participativos e autônomos, cuja apropriação dos sentidos do afeto que afeta o conhecimento constitui o principal objetivo do processo ensino aprendizagem.
Portanto, a avaliação construtivista não é o remédio do processo ensino aprendizagem, mas o diagnóstico, e a partir disso presumimos que é através do diálogo entre educador, escola, e estudantes que vamos promover de fato o acesso e a permanência dos estudantes no sistema escolar.
Para isso, o Estado tem e deve oferecer a instituição escolar meios para que ela receba e atenda a diversidade dos estudantes, principalmente os oriundos das classes populares, cada um com suas especificidades sociais, cognitivas e intelectuais, tão debatidas no meio acadêmico e científico.
No sentido avaliativo, percebemos que no âmbito escolar a exclusão é clara, basta notar a divisão por salas, e a maneira como seletivamente os estudantes são configurados nesses espaços, considerando os mais inteligentes, os ótimos, os bons, até chegar àqueles que a comunidade escolar seleciona como incapazes. André e Passos (s/d) afirmam que a avaliação:


“[...] tem assumido uma função essencialmente classificatória, servindo apenas para definir os alunos que devem ser aprovados ou reprovados; tem confirmado a profecia auto-realizadora dos professores, ou seja, tem sido usada para reforçar as previsões feitas sobre quem são os bons e os maus alunos; tem cumprido um papel disciplinador e autoritário ficando todo o poder nas mãos do professor, que, utilizando critérios arbitrários e instrumentos falhos, defini o destino escolar do aluno.” (ANDRÉ e PASSOS, s/d, p. 112).


Mas o mais interessante disso tudo, é que ninguém pode ainda afirmar ou explicar com certeza, o porquê daqueles estudantes que não “aprendem”. O porquê em determinada turma, mais da metade não aprendeu? Podemos dar várias respostas para esses questionamentos, que tanto vão se direcionar ao estudante quanto ao educador, culpabilizando/vitimizando um ou outro. Nesse contexto, afinal, onde ficam o Estado, a sociedade e a família? Será que os estudantes precisam aprender uma gama infinita de conteúdo? Será que as avaliações que são realizadas periodicamente com o intuito de medir os estudantes condizem com os métodos utilizados? Não temos respostas messiânicas, mas Mendez (s/d) nos faz refletir sobre isso:


“As mudanças no processo de avaliação têm que ser parte de um programa muito mais amplo de inovação, incluindo tanto currículo e didática como avaliação. Os três elementos, junto com os conteúdos da aprendizagem que abarcam, estão estrutural e funcionalmente relacionados.” (MÉNDEZ, s/d, p. 43).


Por essas e muitas outras razões precisamos fazer não só uma avaliação estrutural do sistema educacional, mas também uma auto avaliação num sentido ético crítico de nossas ações, sem as quais fica quase que impossível uma mudança no cotidiano escolar, consequentemente na avaliação escolar.
Diante de um tema tão complexo, que é a avaliação escolar, procuramos de uma forma sucinta realizar uma reflexão sobre o processo avaliativo, principalmente da constatação cultural da avaliação tradicional, que visa medir para punir, que ainda hoje é desenvolvida amplamente em nossas escolas, mostrando que o fracasso e a rotulação são suas principais consequências no desempenho escolar dos estudantes. No desenrolar do nosso ensaio foram feitas breves explicações das tendências tradicionais e construtivistas de avaliação baseando-se em diversos estudiosos da área.
Assim, ao refletirmos sobre o discurso pedagógico da avaliação concluímos que as práticas avaliativas aplicadas em grande parte das salas de aula se dão mediante um jogo sórdido de perguntas e respostas prontas, que procuram fazer, ainda, do estudante um recipiente a encher de conhecimentos desconexos e sem sentidos, e em alguns casos considerados recipientes, que além de vazios, estão rachados, por isso, jamais se encherão de qualquer conhecimento. Assim, a “aula” nada mais é que um ritual de objetivação do interesse, da força e do poder disciplinador.
Infelizmente esse jogo sórdido avaliativo constrói e afeta ideologicamente as imagens que educadores e estudantes fazem uns dos outros, ou seja, o lugar do que sabe e do que aprende.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRÉ, Marlí E. D. A. e PASSOS, Laurizete F. Para além do fracasso escolar: uma redefinição das práticas avaliativas. In: Erro e Fracasso – Na escola - Alternativas Teóricas e Práticas. AQUINO, Júlio Groppa. (org.). S/D.

CARVALHO, José Sergio F. de. A teoria na prática é outra? Considerações sobre as relações entre teoria e prática em discursos educacionais. In: Revista Brasileira de Educação. Anped, v. 16n. 47, maio – ago. 2011.

FONTOURA, Helena A. da; PIERRO, Gianine Maria de Souza e CHAVES, Iduína M. Braun. Didática: do ofício e da arte de ensinar. Niterói: Inter-texto, 2011.

MÉNDEZ, J. M. Alvarez. Avaliar para conhecer, examinar para excluir. Cadernos do CRIAP. Nº 30. Edições ASA. S/D.

MÉSZÁROS, István. A Educação Para Além do Capital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2008.

PATTO, Maria Helena Souza. A Produção do Fracasso Escolar – histórias de submissão e rebeldia. 1ª Ed. São Paulo: T. A. Queiroz 1990.

PATTO, Maria Helena Souza. A Família e a Escola Pública: anotações sobre um desencontro. Psicologia USP. São Paulo, 1992.

PÉREZ, Carmen Lúcia Vidal. Alfabetização, leitura e escrita: um convite à autoria. In: Saberes cotidianos em diálogo. GARCIA, Regina Leite e ESTEBAN, Maria Teresa e SERPA, Andréa (Orgs.). 1ª Ed. - Petrópolis, RJ. De Petrus; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2015.

LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 1998.

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