sexta-feira, 3 de agosto de 2018


EDUCAÇÃO INCLUSIVA – BRAND, MUITO PRAZER!
Relatório Descritivo-Reflexivo Sobre o Filme 
"O Primeiro da Classe”



Cláudio Alves de Melo


1 - ABERTURA

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe um grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: Luz Balão.”

João Cabral de Melo Neto
“Tecendo a Manhã”

Com o poema “Tecendo a Manhã”, me parece, uma forma sensível de começar este ensaio, e assim mergulhar subjetivamente, e metaforicamente, na questão da “Educação Inclusiva”, na qual a formação da cidadania se vincula intimamente com a função da educação, da escola, do que ela é e representa quando utiliza metodologias e materiais didático-pedagógicos para “ensinar as pessoas com deficiência”, na tentativa de incluí-las na vida social e a vida social nelas.

Todos os dias, todos nós, nos deparamos com alguma pessoa com deficiência que apresenta alguma mania, algum hábito, ou características diferentes das nossas. Mas poucos de nós conhecemos uma doença chamada de “Síndrome de Tourette”.

Anteriormente era considerada uma doença de ordem emocional e até meados do século XX foi tratada como tal pelos psicanalistas, os quais utilizavam medicamentos para minimizar os tiques provocados por ela, porém com o tempo foi comprovado que tal transtorno seria de ordem neurológica.

Podemos imaginar o quanto as pessoas sofrem com a Tourette, devido os sons e tiques constantes provocados por ela, daí nos atrevemos a dizer que tais pessoas sofrem muito mais, quando estão no âmbito escolar onde são constantemente assediadas por outras, independentemente de suas idades e mais ainda quando são inferiorizadas por alguns membros da sua própria família.


2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS

2.1 – A História de Brad Cohen

Brad Cohen viveu e vive uma profunda experiência, com a “Síndrome de Tourette”, a qual ele mesmo chama de amiga constante. Desde os seis anos de idade quando apareceram os primeiros sintomas sofreu com preconceito e discriminação dos outros por causa de uma doença desconhecida, e por isso nem sempre diagnosticada.

Com o passar do tempo resolveu contar sua história por meio da literatura, decidindo lançar o livro “O Líder da Classe”. Esse livro foi publicado no ano de 2005, ganhando o prêmio literário como “Melhor Livro Educativo do Ano”. Com isso, Brad passou a dar entrevistas em programas de TV, as quais motivavam as pessoas com a síndrome de nunca desistirem de lutar. Ele também fundou a Fundação Brad Cohen com o intuito de arrecadar ajuda financeira para manter programas que assistem pessoas com a “Síndrome de Tourette”.

Notamos aqui, o protagonismo de Brad, de fazer valer seu direito de estar e ser o que quiser, ou seja, ter uma vida emancipada em todos os sentidos, apesar de sua deficiência. Bred gritou, e foi protagonista de sua própria história, e partindo desse contexto, voltamos ao poema “Tecendo a Manhã”. Quando nos indignamos com a realidade dada gritamos pela mudança, nosso “grito” de galo, isto é, nosso fazer ousado e inovador tornar-se-ão fazeres emancipatórios não só de um, mais de muitos, na medida em que desde a “mais tênue teia, se erga o toldo, a manhã de todos” e para todos.

Pode ser que esses fazeres estejam diretamente vinculados à subjetividade da pessoa com deficiência ou sem, do educador, da família, dos amigos, da sociedade, ou ainda, aos anseios, à utopia ideológica, podendo assim afetar a todos, deficientes ou não, explícita ou implicitamente, no decorrer de seus cotidianos.

O livro mencionado então se transformou em uma sensível e grandiosa obra fílmica com o título “O Primeiro da Classe” que desde que foi lançado tem emocionado milhares de pessoas sensibilizando-as em relação a vida das pessoas não só com a “Síndrome de Tourette”, mas com outras deficiências.

A obra foi inspirada em fatos que giram em torno da vida de Brad Cohen e da “Síndrome de Tourette”, que lhe acarretou múltiplas situações não tão boas, em especial, na sua trajetória escolar. Foi nesse período, ainda criança, que sentiu na pele as afetações das humilhações realizadas por toda comunidade escolar, mas em especial pelos seus colegas, ou seja, outras crianças, tudo por causa dos sons constantes emitidos e pelos tiques motores provocados pela “Síndrome de Tourette”.

Em Brad a síndrome se concentrava na região da cabeça e rosto, locais onde é mais comum aparecer, porém pode aparecer em qualquer outra parte do corpo (pernas, barriga, braços, etc). Na escola ele não conseguia se controlar por causa da pressão social vinda dos outros, o que potencializava os sintomas. Cabe lembrarmos que tais movimentos são involuntários, mas mesmo assim era obrigado, pela professora, a pedir desculpas para a turma e, ainda tinha que prometer que não iria repetir os sons. Por causa disso, as outras crianças riam e faziam piada dele o tempo todo. Várias vezes, ele foi encaminhado para a direção da escola para que fosse chamado e orientado à não repetir tais sons e movimentos, o que não surtia nenhum efeito, pois como já dissemos os sintomas eram involuntários. Nesses casos sua mãe sempre era chamada à comparecer na escola. Toda essa dinâmica afetava a autoestima de Brad, o que ocasionou a não ter vontade de frequentar a escola.

No entanto, como a um anjo, sua mãe, que via e sentia o sofrimento de Brad, não aceitava passivamente aquela situação, daí saiu em buscas de respostas, foi a luta e resolveu realizar um garimpo na biblioteca da cidade, até que encontrou uma explicação satisfatória e mais provável para os sintomas que seu filho apresentava: "Síndrome de Tourette”.

Surgiu assim uma nova esperança para tornar a vida de Brad mais fácil e acolhedora, antes que a sociedade o destruísse com seus padrões de normalidade impostos e aceitos que não respeitava o ser diferente. Presumimos então, o quanto a família é importante na participação ativa e sensível ao modo de vida da pessoa com deficiência.

A partir daí a vida de Brad começou a mudar e ele e os outros – família, amigos, escola, médico - tomaram o conhecimento que se tratava de uma doença neurológica, tirando o peso da culpa dos seus ombros, o peso do fardo de ser julgado quando diziam que tudo que fazia seria propositalmente, como julgava as pessoas, inclusive seu pai. Agora ele poderia se defender dizendo à todos porque emitia aqueles sons “irritantes e repetidos”. Foi quando que, diante de mais um episódio triste e constrangedor em sala de aula, o diretor da escola, numa atitude inteligente e inovadora, de grande sensibilidade, desafiou Brad a declarar e explicar ele próprio para toda a escola em um intervalo de um musical, o porque emitia constantemente aqueles sons e movimentos, explicando que tudo aquilo se tratava de uma doença chamada de “Síndrome de Tourette”. Sob aplausos ele viu sua vida mudar completamente na escola, tal fato lhe afetou profundamente, fazendo-o desejar no futuro ser um pedagogo, porém um pedagogo com novas visões e novos conceitos em relação ao ensino. É o que Vigotski (2011) diz:


Mas é natural que, juntamente com isso, desapareça também a antiga concepção sobre o próprio caráter da educação. Onde a antiga teoria podia falar de colaboração, a nova fala em luta. No primeiro caso, a teoria ensinava a criança a dar passos lentos e tranquilos; a nova deve ensiná-la a saltar. (VIGOTSKI, 2011, P. 866).


Longe de seus problemas acabarem, até porque a “Síndrome de Tourette” não some, Brad teria agora que enfrentar novos percalços para conseguir alcançar seus anseios de uma vida emancipada, inclusive de poder trabalhar, de preferência como pedagogo.

Corajosamente, Brad conclui todas as etapas de seus estudos, o que lhes deram condições de lecionar. Daí, ele foi tentar conseguir um emprego como pedagogo, tendo como anseio principal de atuação profissional realizar uma educação diferente, ou seja, desenvolver uma “Educação Inclusiva”. Ele sabia que não seria fácil naquela época, e ainda hoje não é. Nesse sentido, BRAUN e MARIN (2016) afirmam:


Organizar um modelo de educação inclusiva requer um projeto que tenha por finalidade desenvolver práticas educativas equânimes para todos os alunos. Isto não é algo simples e exige mudanças significativas na estrutura escolar da qual dispomos, seja quanto ao tempo, espaços, concepções de ensino, de aprendizagem ou de currículo. (BRAUN e MARIN, 2016, P. 198).


Nas idas e vinda das entrevistas, várias vezes, foi rejeitado pelas instituições educativas, apesar de possuir um currículo acadêmico excelente. Os entrevistadores ao recebê-lo e durante as entrevistas estranhavam seus sons e movimentos, os quais acabavam por desqualificá-lo para a função de pedagogo. No entanto, seguiu em frente e persistiu, até que foi chamado para lecionar na escola “Mountain View Elementary School, em Cobb Country”, Georgia, com crianças do 2º ano.

Brad foi muito bem recebido pelo corpo docente e pelos alunos, houve pouca rejeição, assim, aproveitou a oportunidade e de forma inovadora começou a lecionar fazendo a diferença naquela escola, e por causa disso, recebeu o “Primeiro Prêmio Professor do Ano” da Georgia. O filme termina na emocionante cena dele recebendo o referido prêmio, em meios a família, seus alunos, ao corpo docente da escola em que trabalha, e muitos outros.


2.2 – Refletindo a Educação Inclusiva à Luz da História de Brad Cohen

Pensamos que atualmente urgi ser necessário que a história de Brad, afete profundamente nossas experiências docentes, e de formação, no sentido de favorecer a promoção da “Educação Inclusiva”. Entendemos assim, que refletir sobre a nosso saber teórico e sobre nosso fazer pedagógico deva ser de fato um exercício concreto e contínuo, ou seja, sentir, pensar, agir e avaliar dialeticamente a produção de nossos conhecimentos e o desenvolvimento de nossa prática, sem distanciá-los.

Diante desse contexto, pensar em “Educação Inclusiva” já coloca em xeque o sistema de educação que conhecemos, uma vez que apesar dos avanços legais e metodológicos a educação ainda não atende a todos de forma inclusiva e sim de forma fragmentada.

Legalmente temos um arcabouço legal que garante o atendimento da pessoa com deficiência em qualquer situação, a começar pela Constituição Federal de 1988 que consagra, no Art. 205, a educação como direito de todos e dever do Estado e da Família.

Ainda seguindo esse trajeto legal, na Espanha em 1994 ocorreu uma conferência na cidade de Salamanca, chamada de “Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais”, que reuniu pessoas interessadas em discutir e deliberar sobre assuntos concernentes as pessoas com deficiência. Com uma visão inclusiva essa conferência teve a intenção de promover a ideia de “Educação para Todos”, realisando um chamamento às escolas a capacitarem-se para atenderem a todas as crianças, em especial aquelas que apresentam necessidades educacionais especiais. Dessa conferência firmou-se a “Declaração de Salamanca”, documento com aspectos políticos-filosóficos presentes nos seus princípios. Com isso, essa declaração propaga a perspectiva de uma sociedade inclusiva, consequentemente uma “Educação Inclusiva” onde todos têm o direito ao acesso e permanência na escola.

Com o intuito de consolidar a ideia de “Educação Inclusiva” vem sendo reforçado esse arcabouço legal gradativamente é o que afirma a Política Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:  LDBEN/Nº 4.024/61, Lei Nº 5.692/71, ECA, Lei nº 8.069/90; a Política Nacional de Educação Especial; Lei de Diretrizes e Bases da Educação / Lei nº 9.394/96 – LDB; o Decreto nº 3.298/99; O PNE, Lei Nº 10.172/2001; A Convenção de Guatemala, pelo decreto Nº 3.956/2001; Lei de Libras, Nº 10.436/02; entre muitos outros. Dentre esses podemos citar a Nota Técnica Nº 04/2014, que ratifica o disposto no Decreto Nº 7.611/2011 no seu Art. 2º:


A educação especial deve garantir apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (BRASIL, 2011).


Assim, temos com esse arcabouço legal condições de democratizar a educação proporcionando a todos o acesso e a permanência no sistema educacional. Como Brad, precisamos se mobilizar para fazer com que nosso sistema educacional saiba não só lidar tanto com as desigualdades sociais, quanto com as diferenças humanas. Isso é inclusão1 Isso é acesso e permanência de todos numa escola para todos.

O caso de Brad nos revelou o quanto é prejudicial para a pessoa com deficiência estudar em uma instituição escolar que desenvolva propostas pedagógicas pseudo-inclusivas. Nesse sentido, defendemos o compromisso ético-político-social dos educadores que, deve junto à família, promover a inclusão de fato dessas pessoas – sujeitos de direitos - na sociedade e na escola. Para que isso ocorra é necessário que a “[...] organização do tempo, espaço e distribuição dos alunos, a metodologia, atividades, estratégias e ações que serão realizadas e a organização, seleção e produção de recursos utilizados [...] tenham como foco [...]” (CARDOSO e TARTUCI, S/D, p. 2) a pessoa com deficiência.

Sendo assim, podemos presumir que a escola pode e deve atender à demanda das pessoas, pois o que vivenciamos é o oposto, ou seja, o sujeito é quem atende a demanda da escola. Pode ser que o Projeto Político Pedagógico da instituição escolar seja um ótimo instrumento de promoção da perspectiva inclusiva.

É necessário que a escola se transforme em um território democrático e de democratização, onde o diverso atravesse a particularidade e vice versa do processo educacional. A instituição escolar que possui propostas democráticas, e separa tempo e espaço para isso, se contrapõe a todos os tipos de aphartaid, seja por idade, gênero, sexo, origem social, por deficiência, etc. Atrevo-me a dizer que é necessário entendermos que para afetar e transformar a hegemonia de uma sociedade precisamos de antemão refletir sobre nossos próprios espaços de formação, portanto para afetar precisamos ser afetados.


3 - ENCERRAMENTO

O presente trabalho procura fomentar reflexões sobre o processo de consolidação da perspectiva inclusiva, seus avanços e estagnação, a partir da experiência de vida de Brad Cohen apresentada no Filme “O Primeiro da Classe”.

É inegável que a “Educação Inclusiva” apresenta-se de maneira satisfatória na atual conjuntura educacional do Brasil. Entendemos que como profissionais formados ou em formação vivenciamos um processo em curso de consolidação da perspectiva inclusiva e é exatamente por isso que existem algumas lacunas, e muitas dúvidas. No entanto, temos a esperança que estamos no caminho de não só uma escola inclusiva, mais de toda a sociedade.

Quanto ao exemplo de Brad, depois de assistir seu sofrimento, sua rejeição, suas frustrações, sua luta, seu protagonismo, suas conquistas, o único sentimento que sinto por ele é admiração. Uma pessoa que enfrentou desde a infância os desafios em busca de sua inclusão social, uma pessoa considerada frágil e vulnerável, mas que não se deixou ser vencido pelas chacotas, assédios, discriminações, limitações, desconfortos e muitas outras situações desfavoráveis a sua vitória. Destacamos a importância da família, em especial a mãe de Brad, a qual segundo o filme, atribui parte de suas conquistas.

Quanto a escola e aos professores e os papéis que desempenham percebemos, com base na literatura estudada e da experiência de Brad, que ainda estamos distante do ideal de escola inclusiva. Quanto aos educadores, enfatizamos que só por meio de uma práxis reflexiva crítica e ética poderão se constituir em co-protagonistas da promoção da perspectiva de educação inclusiva de todos os segregados ou rejeitados pelo sistema escolar.


4 - REFERENCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

BRASIL. Declaração de Salamanca e Linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO, 1994.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008.

BRASIL. Nota Técnica n. 94 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE. Brasília, 2014.

BRAUN, Patricia e MARIN, Márcia. Ensino colaborativo: uma possibilidade do atendimento Educacional Especializado. In: Revista Linha. Florianópolis, v. 17, n. 35, p. 193-215, 2016.

CARDOSO, Camila rocha e TARTUCI, Dulcéria. Planejamento das práticas pedagógicas: o ensino, os objetivos e o plano do atendimento educacional especializado. Fonte desconhecida.

CARNEIRO, Maria Sylvia Cardoso. Reflexões Sobre a Avaliação da Aprendizagem de Alunos da Modalidade Educação Especial na Educação Básica. Revista Educação Especial | v. 25 | n. 44, | p. 513-530 | set./dez. 2012.

LOPES, Silmara A. Adaptação Curricular: o que é? Por quê? Para quem? E como fazê-la? EBR – Educação Básica Revista, vol.3, n.1, 2017.

VIGOTSKI, Lev. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. In: Educação e Pesquisa. São Paulo. V.37, n. 4, p. 861-870, 2011.





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