quinta-feira, 2 de agosto de 2018


DEFICIÊNCIA SENSORIAL
DEFICIÊNCIA VISUAL E A ESCOLA INCLUSIVA


Cláudio Alves de Melo
João Victor Avendano Guimarães


1 - APRESENTAÇÃO
                      
O mundo, de forma geral, vem passando por algumas mudanças na forma como a sociedade, em especial a educação, entende e lida com a deficiência humana. Ao longo da história, os considerados “desviantes” têm sido alvo de práticas de exclusão marcadas pelo preconceito e pela discriminação. Vítimas da rejeição e/ou da compaixão estiveram, muitas vezes, à margem da sociedade, em guetos sociais, distantes do convívio com os cidadãos considerados normais.

As pessoas com deficiência começaram a ganhar destaque com a difusão do princípio da universalização no ensino do Brasil a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96). Diante disso, a promoção da máxima “Educação para Todos” e a inclusão na educação regular ganharam força, deram largos e muitos passos adiante e alcançaram até o momento atual um número considerável de matrículas na educação básica e no Ensino Fundamental de alunos com deficiência.

A matrícula de alunos com deficiência em classes comuns no Brasil evoluiu, de 1998 a 2002, em 151%. Pulamos de um total de 43.923 matrículas, em 1998, para 110.536, em 2002. Ou seja, somente em quatro anos, houve um aumento considerável da inclusão nas instituições escolares. No entanto, a formação, qualificação e capacitação dos educadores que são necessárias para lidar com esse tipo de alunado, além dos concursos públicos para mediadores não acompanharam esse ritmo de crescimento.

A partir da Declaração de Salamanca (1994), surgiu o termo “necessidades educacionais especiais”, em substituição do termo “criança especial”, anteriormente usado pela educação para identificar o aluno com deficiência. Mas, esse novo termo se refere a toda e qualquer pessoa considerada atípica e que necessite de algum tipo de abordagem específica por parte das escolas, seja de ordem - comportamental, social, física, emocional ou familiar. Na atual conjuntura sobre o assunto, temos uma demanda de 7% a 10% da população em idade escolar com necessidades educacionais especiais.
Entre as múltiplas deficiências presentes na sociedade e, consequentemente, nas escolas, abordaremos a deficiência visual no contexto escolar.


2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS

2.1 - Contextualização

Quando nós pensamos em deficiência visual, nos perguntamos: Como é a vida cotidiana das pessoas sem a visão? O que a pessoa com deficiência visual é capaz de fazer? Qual o tipo de vida pode levar? Como é o seu processo ensino aprendizagem? Neste breve ensaio, tais problemáticas são analisadas e, a “[...] partir desta análise, a situação do cego na vida escolar é discutida”. (NUNES e LOMÔNACO, 2010, p. 55).

Pressupomos que profissionais da área da Educação devem possuir necessariamente conhecimentos teóricos, didáticos e pedagógicos sobre os diferentes e múltiplos tipos de deficiências, as limitações reais impostas por cada deficiência e, principalmente, as inúmeras possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem desses sujeitos. Assim, objetiva-se neste ensaio apresentar e analisar informações sobre a cegueira e o aluno cego ou com baixa visão “a partir da literatura teórica e de pesquisas na área de modo a salientar suas reais limitações, mas, ao mesmo tempo, enfatizar as potencialidades do aluno cego ou com baixa visão”. (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 55).

Podemos definir a deficiência visual como sendo a falta ou diminuição da visão, ou seja, uma limitação de uma das formas de apreensão de informações do mundo externo. Há dois tipos de deficiência visual: cegueira e baixa visão.

A partir de 1970, o diagnóstico de deficiência visual deixou de considerar apenas a acuidade visual para avaliar as formas de percepção do sujeito: se ele apreende o mundo por meio do tato, olfato, cinestesia etc., esta pessoa é considerada cega; se, no entanto, tiver limitações da visão, mas ainda assim conseguir utilizar-se do resíduo visual de forma satisfatória, então, seu diagnóstico é de baixa visão.

A ausência ou diminuição da visão é um fenômeno complexo e diverso. As causas da deficiência, o momento e a forma da perda visual (progressiva ou repentina), o contexto psicológico, familiar e social influenciam o modo como a pessoa vive sua condição de pessoa com deficiência visual.

O estereótipo da pessoa com deficiência visual está relacionado à forma como historicamente ela foi vista. Segundo Nunes e Lomônaco (2010), Vygotsky define três momentos principais na concepção de cegueira: 1º - Período Místico; 2º - Período Biológico e Ingênuo; 3º - Período Científico ou Sociopsicológico.


2.2 – O Aluno Deficiente Visual na Sala de Aula – Algumas Pesquisas

Nunes e Lomônaco (2010) por meio de algumas pesquisas afirmam que: Monte Alegre (2003) constatou ausência de apoio especializado nas escolas regulares, as chamadas escolas “inclusivas”, primeiro pelo déficit de materiais adequados e recursos destinados ao desenvolvimento do trabalho com as crianças com deficiência visual; segundo pelo despreparo dos educadores da sala de aula comum, o que faz com que o trabalho pedagógico se desenvolva de forma apenas técnica e espontânea e muitas vezes inadequada, senso assim, acabam por não darem conta das demandas de aprendizagem do aluno com deficiência visual.

Outra pesquisa apontada por Nunes e Lomônaco diz que “As professoras da sala comum de alunos com deficiência visual demonstraram incertezas sobre como lidar com esses alunos e desconhecimento dos materiais adaptados para o cego - inclusive o braile.” (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 60). E ainda a partir de Lira e Schlindwein (2008) “Constataram que professores de alunos cegos se negaram a mudar as estratégias de ensino em prol da aprendizagem do seu aluno.” (NUNES e LOMÔNACO, 2010, p. 60).

Em relação à convivência Montilha, Temporini, Nobre e Kara-José (2009):


Apontaram alto nível de repetência dos alunos. Além disso, a dificuldade mais apontada pelos sujeitos foi a de ler os livros didáticos. E a relação com o professor, dentre a relação com colegas e diretor, foi a mais escolhida como influente no processo de aprendizagem. Nesse sentido, podemos pensar que, segundo esses alunos, um bom relacionamento com o professor auxilia mais na compreensão dos conteúdos escolares. Porém, esse bom relacionamento nem sempre ocorreu, pois 73,1% dos alunos tiveram alto índice de repetência. (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 62).



2.3 – A Educação Inclusiva do Deficiente Visual

A escola, historicamente, não foi construída para acolher as particularidades de seus alunos, sobretudo suas deficiências. Os conteúdos e metodologias eram, e ainda são imensamente visuais, configurando um privilégio daqueles que enxergam a desvantagem daqueles que não, como afirma a Cartilha do MEC dizendo que “os conteúdos escolares privilegiam a visualização em todas as áreas de conhecimento, de um universo permeado de símbolos gráficos, imagens, letras e números.” (BRASIL, 2007, p. 13).

A educação inclusiva busca reverter essa situação trazendo os alunos com deficiência para as escolas regulares, para que aprendam junto com todas as crianças. É importante ressaltar que a inclusão aqui tratada não significa acesso, mas condições de permanência para que os alunos-alvo tenham suas condições especiais de aprendizagem garantidas.

Mudanças nas diversas esferas da escola são necessárias para o acolhimento desses alunos. Essas transformações devem garantir sua plena participação no ambiente escolar e garantir um eficiente processo de ensino-aprendizagem. O conteúdo, a comunicação, as atividades, etc. devem ser adaptados às particularidades do aluno. Entretanto, essas mudanças não devem subestimar o aluno nem superprotegê-los privando sua autonomia.

A escola, portanto, passa a ter o aluno como elemento central. Não é o aluno quem deve se adaptar a escola, mas o contrário. Essa mudança faz com que o aluno não seja responsável pelo seu fracasso.


2.4 – O Aluno Cego e o Aluno com Baixa Visão

Diferenciar os dois tipos de deficiência visual é fundamental para pensar o processo de escolarização. Não se deve resumir tudo a uma coisa só. Enquanto o cego tem o total comprometimento da visão, o aluno de baixa visão pode e deve usufruir o pouco que enxerga.

As adaptações se diferenciam para esses dois tipos de aluno. Enquanto o cego necessita de adaptações que explorem seus outros sentidos, o aluno de baixa visão carece de mudanças que utilizem sua visão diminuta de forma confortável, isto é, mudanças que utilizem sua visão sem causar irritação.
            
Existem mecanismos que auxiliam os alunos de baixa visão que podem ser utilizados dentro e fora da escola. Esses recursos, classificados como ópticos e não ópticos, utilizam a visão, por isso não servem para os cegos.
            
Os recursos ópticos são instrumentos que magnificam a imagem da retina, sendo recomendados por especialistas; exemplos desses recursos são os óculos, lupas, telescópio, etc. Os recursos não ópticos são ações e mecanismos que auxiliam no cotidiano dos alunos; ampliação de fontes, gráficos, e sinais, circuito fechado de televisão, acetato amarelo, são exemplos desses recursos.
            
A Cartilha do MEC sobre o Atendimento Educacional Especializado para o deficiente visual traz algumas recomendações que devemos ter com os alunos de baixa visão. São elas:
  • Sentar o aluno a uma distância de aproximadamente um metro do quadro negro na parte central da sala.
  •  Evitar a incidência de claridade diretamente nos olhos da criança.
  • Estimular o uso constante dos óculos, caso seja esta a indicação médica.
  • Colocar a carteira em local onde não haja reflexo de iluminação no quadro negro.
  • Posicionar a carteira de maneira que o aluno não escreva na própria sombra.
  • Em certos casos, conceder maior tempo para o término das atividades propostas, principalmente quando houver indicação de telescópio.
  • Ter clareza de que o aluno enxerga as palavras e ilustrações mostradas.
  • Sentar o aluno em lugar sombrio se ele tiver fotofobia (dificuldade de ver bem em ambiente com muita luz).
  • Evitar iluminação excessiva em sala de aula.
  • Observar a qualidade e nitidez do material utilizado pelo aluno: letras, números, traços, figuras, margens, desenhos com bom contraste figura/fundo.
  • Observar o espaçamento adequado entre letras, palavras e linhas.
  • Adaptar o trabalho de acordo com a condição visual do aluno.
  • Utilizar papel fosco, para não refletir a claridade.
  • Explicar, com palavras, as tarefas a serem realizadas.


2.5 – Alfabetização e Aprendizagem

Acesso à leitura, escrita e conteúdos escolares é fundamental no processo de aprendizagem. Na educação de deficientes visuais, particularmente dos cegos, a utilização dos outros sentidos se faz necessária para a coleta de informações. É importante frisar que o desenvolvimento dos outros sentidos não é algo extraordinário, mas são altamente desenvolvidos em virtude da recorrência.

Estabelecer uma linguagem com esses alunos é fundamental já que ela “amplia o desenvolvimento cognitivo porque favorece o relacionamento e proporciona os meios de controle do que está fora de alcance pela falta da visão.” (BRASIL, 2007, p. 21). A linguagem é o mecanismo central para a troca de informações e conhecimentos.

A comunicação não está estabelecida de forma única, muitas são as formas de se comunicar e expressar. A escola deve ser um local que considere essas múltiplas experiências e difunda os conhecimentos historicamente acumulados a todos, considerando suas particularidades e, sobretudo, suas potencialidades. Contemplamos o pensamento de Vigotski (2011) quando diz que:


[...] nós nos acostumamos com a ideia de que o homem lê com os olhos e fala com a boca, e somente o grande experimento cultural que mostrou ser possível ler com os dedos e falar com as mãos [...] Psicologicamente, essas formas de educação conseguem superar o mais importante, ou seja, a educação consegue incutir na criança surda-muda e na cega a fala e a escrita no sentido próprio dessas palavras.


É preciso, portanto, estimular a comunicação em todas as crianças. O professor deve garantir que o aluno deficiente visual se comunique com seus colegas e profissionais para que desenvolva relações necessárias à vivência social.

As crianças cegas operam com dois tipos de conceitos (BRASIL, 2007, p.21).

  1. Significado real a partir de suas experiências.
  2. Significado através de referências. Comunicação através do verbalismo. O entendimento pode ser prejudicado pela má compreensão do aluno. Por isso, “é necessário incentivar o comportamento exploratório, a observação e a experimentação para que estes alunos possam ter uma percepção global necessária ao processo de análise e síntese.” (idem, ibidem).


2.5.1 – Espaço Físico e Mobiliário

A familiarização com o espaço físico não acontece de forma imediata com os que não enxergam, é preciso estimular a exploração do espaço físico, onde o conhecimento desse espaço se dará de forma gradual. O mobiliário e os materiais devem permanecer nos lugares conhecidos por esses alunos, e qualquer mudança deve ser avisada.


2.5.2 – Sistema Braille

O sistema braile é a principal ferramenta de leitura e escrita da pessoa cega. Baseia-se na combinação de 63 pontos obtidos na organização dos seis pontos básicos, organizados em duas colunas de três pontos. Essas combinações representam as letras do alfabeto, os números, pontos, entre outros símbolos. Exige uma boa coordenação motora e dificulta a correção de erros.


2.5.3 – Atividades e Avaliação

Os alunos deficientes visuais podem e devem participar das atividades que devem ser adaptadas, quando necessárias. As adaptações podem ser de várias formas, desde descrição oral a confecção de materiais. Além disso, a avaliação também deve ser adaptada, através de exercícios orais, conversão para o braile, utilização de computadores, etc.


2.6 – Recursos Didáticos

A utilização de matérias que sejam mais agradáveis no ensino não deve ser uma questão resumida à educação especial. Que criança não gosta de aprender se divertindo? Aprender deve ser prazeroso. Utilizar jogos e recursos lúdicos é fundamental para despertar o interesse dos alunos, afinal “recursos tecnológicos, equipamentos e jogos pedagógicos contribuem para que as situações de aprendizagem sejam mais agradáveis e motivadoras em um ambiente de cooperação e reconhecimento das diferenças.” (MEC, 2007, p. 26).

Os recursos a serem manuseados pelos deficientes visuais devem ser pensados de forma que explorem os outros sentidos, não descartando a visão no caso de alunos com baixa visão.
Objetos pequenos devem ser ampliados, os grandes diminuídos. Mapas devem ser feitos em relevo. A adequação desses recursos, contudo, não deve fugir do realismo, mas considerar os detalhes e dimensões.


3 – NOTAS CONCLUSIVAS

1ª Nota - A Escola Inclusiva deve compreender seu caráter inclusivo não apenas no sentido de receber estudantes com deficiência visual, mas sim por ser uma escola que se mostra aberta e disposta a programar e implantar condições pedagógicas, didáticas, ambientais, curriculares, etc, para acolher e acompanhar o educando com deficiência visual em seu processo ensino/aprendizagem.

2ª Nota - A Escola Inclusiva deve ir muito além da aceitação da presença física do educando com deficiência visual dentro das salas de aula, ou seja, é imprescindível a produção de metodologias pedagógicas específicas que garantam a permanência e o sucesso no processo ensino/aprendizagem desses educandos. Sendo assim, a Escola Inclusiva irá estimular no educando com deficiência visual um sentimento de reconhecimento como ser humano e de pertencimento.

3ª Nota - A Escola Inclusiva deve de forma intransigente combater ações preconceituosas ou discriminatórias, promovendo uma comunidade escolar solidária baseada no respeito e valorização do ser humano indo muito além dos muros da escola, assim, construindo uma instituição escolar inclusiva irá como consequência atingir o objetivo principal: uma educação plena e para todos, ou seja, uma educação que afeta direta e indiretamente todos os atores da comunidade escolar, independente de seu sexo, cor, religião, origem, condição física, social ou intelectual. Além disso, a Escola Inclusiva deve pensar em estimular o desejo de participação nos seus membros para que estes em conjunto discutam, deliberem e decidam em busca de “mudanças” ou “transformações” metodológicas e organizacionais no território escolar.

4ª Nota - Na Escola Inclusiva o professor da classe comum não só pode como deve ajudar o professor especializado, informando a cerca do desenvolvimento do educando com deficiência visual na sala de aula, ou seja, como esse se relaciona no coletivo com os colegas, como age diante dos conteúdos e das atividades, e como esse se comporta positiva ou negativamente frente às metodologias pedagógicas aplicadas.

5ª Nota - A avaliação deve ser transformada em um processo de aprendizagem, portanto, a avaliação deve ter caráter processual, atentando ao crescimento intelectual e cognitivo do educando com deficiência visual ao invés de considerar e inferir o resultado final (o quanto se aprendeu).


4 – BIBLIOGRAFIA


BRASIL. 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394, de 20 de dezembro, Brasília, DF.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Atendimento Educacional Especializado: deficiência visual. Brasília: SEESP/MEC, 2007.

NUNES, Sylvia e LOMÔNACO, José Fernando Bitencourt. O Aluno Cego: Preconceitos e Potencialidades. In: Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 1, Janeiro/Junho de 2010: P. 55-64.

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, CORDE, 1994.

VIGOTSKI, L. S. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 37, n. 4, dez., 2015.


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