sábado, 15 de dezembro de 2018

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NO COTIDIANO DA SALA DE AULA


Cláudio Alves de Melo

RESUMO

     A escolha do tema se deu por pensarmos que as crianças da turma investigada estão numa faixa etária que utilizam a linguagem oral como principal meio de comunicação, bem como estão em processo de descoberta e compreensão das funções sociais e dos modos de funcionamento da linguagem escrita. Estamos em nosso ensaio considerando as orientações cotidianas de alfabetização ou letramento desenvolvidas pelos sujeitos nos seus grupos sociais ou na relação com outros grupos sociais. Visto que, a vida cotidiana social é atravessada pelas formas como a linguagem escrita e falada, de modo implícito ou explícito, com complexidade ou não afetam os sujeitos.

Palavras-chave: Alfabetização, letramento, enunciação.

  
1 - ABERTURA

O presente ensaio apresenta resultados de uma Pesquisa de Diagnóstico Rápido (PDR) de caráter qualitativo, realizada numa Escola Municipal da cidade de Niterói. Neste sentido, a observação que realizamos assume papel extremamente relevante. Nossa observação foi organizada em dois grupos de registro: 1) atividades em geral; 2) cadernos. No entanto, nesse ensaio vamos enfatizar em nossas análises o primeiro grupo de registro – atividades em geral. Nossa PDR foi desenvolvida em uma turma do 2º ano do ensino fundamental I com 28 alunos.

O objetivo geral da nossa PDR foi investigar diferentes modos de constituição de sujeitos alfabetizados ou letrados.

A escola observada é um espaço escolar que atende a comunidade universitária da Universidade Federal Fluminense por meio de convênio com a Fundação de Educação do Município de Niterói/RJ, oferecendo um serviço pedagógico a crianças que cursam o ensino fundamental I. Portanto, se caracteriza como campo de investigação e prática que possibilita a formação profissional e acadêmica dos estudantes de graduação interessados na modalidade da Educação Infantil.

A escolha do tema se deu por pensarmos que as crianças desta turma estão numa faixa etária que utilizam a linguagem oral como principal meio de comunicação, bem como estarem em processo de descoberta e compreensão das funções sociais e dos modos de funcionamento da linguagem escrita, por serem moradoras de zonas urbanas periféricas, e também por frequentarem um espaço educativo experimental.

Para a apresentação do presente ensaio, separamos e analisamos alguns dados dos registros de observações do trabalho pedagógico realizado na turma em atividades variadas. Nestas atividades damos destaque de indícios e marcas do atravessamento da linguagem escrita e falada nas interações discursivas observadas entre os pares.

2 – DISCUSSÕES TEÓRICAS

Questões relativas à alfabetização ainda são profundamente discutidas atualmente, e em meio a essas discussões, nos deparamos com um novo termo: letramento. Alguns educadores afirmam que tal termo, apesar de novo se direciona a práticas antigas de ensino das letras. No entanto, outros profissionais da área afirmam que letramento é uma nova perspectiva social para contextualizar o processo de alfabetização escolar. Diante disso, perguntamos: Afinal de contas por que estamos falando de alfabetização e letramento? Letramento e alfabetização é a mesma coisa?

Estamos falando em letramento pelo motivo de estarmos nos deparando com o termo todas as vezes que discutimos sobre leitura e escrita, mas alguns pesquisadores e educadores vêm se mostrando contrários ao uso do letramento. Vivemos em uma sociedade letrada, sua organização se dá fundamentalmente por meio de práticas escritas, no entanto, nela ainda encontramos sujeitos, pasmem não alfabetizados, porém nela sobrevivem. Ou seja, mesmo sem saber ler e escrever essas pessoas se saem muito bem no cotidiano de suas vidas seja trabalhando, passeando, usando transportes públicos, realizando compras e ainda conseguem mercadorias das mais variadas marcas e preços, e o que é impressionante, estimulam seus filhos a estudarem formalmente. Nesse sentido:


O nome é o que menos importa, quando historicamente se confrontam desde a famosa querela dos métodos às lutas discursivas mais recentes relativas à alfabetização e letramento; desde as propaladas dificuldades de aprendizagem às aplicações teóricas que se anunciam como salvadoras; desde a implementação de políticas públicas de alfabetização à adoção de novas tecnologias, que frequentemente terminam em fiasco, a despeito de seu alto custo para os cofres públicos (ZACCUR, 2015, p. 161).


Diante da sobrevivência no mundo letrado acima descrita o termo letramento pode definir os processos de ensino e aprendizagem da escrita e da leitura, as formas de uso e funções que a linguagem possui nos diversos e múltiplos espaços sociais existentes na sociedade. Diante disso, o termo letramento mostra-se relevante para os estudos e pesquisas relacionados ao processo de aquisição da leitura e escrita. Já o termo alfabetização está mais relacionado a uma “visão” deste processo de ensino/aprendizagem, o qual é visto como um processo que realiza a codificação/decodificação de sons em letras e vice-versa de forma mecânica. Portanto, presumimos que alfabetização e letramento, definem processos vinculados entre si, mas são conceitos diferentes.

Nossa PDR busca investigar aspectos dos trajetos percorridos pelas crianças para alcançarem a alfabetização ou letramento, como também os conhecimentos adquiridos durante o percurso desses processos. Além disso, busca provocar uma reflexão sobre novas metodologias de trabalho que promovam a formação de sujeitos alfabetizados ou letrados, porém críticos. Nosso interesse, dessa nossa breve investigação se concentra no aprofundamento da compreensão de processos e fatores envolvidos na construção da condição de pessoa alfabetizada ou letrada no espaço educativo, investigando aspectos de como os modos de ser alfabetizado ou letrado se constituem.

Pensamos que a “Teoria da Enunciação” de Bakhtin (1988) pode explicar onde queremos chegar com a nossa PDR. Tal teoria enfatiza a produção de linguagem na perspectiva da enunciação, a qual se refere à atividade social e interacional por meio da qual a língua é colocada em funcionamento, ou seja, destacando a natureza social da situação de produção de discursos. Assim os sentidos do sujeito se constroem, dialogam e disputam espaço, instaurando-se como signos ideológicos, esse é o processo de constituição de um sujeito livre. A verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (cf. Bakhtin, 1988: 123).

Presumimos então que, debatendo e interligando as diretrizes teóricas acima, que, para avançar no estudo sobre alfabetização ou letramento, precisamos necessariamente pensar na constituição do sujeito alfabetizado ou letrado, tendo como base principalmente suas experiências vividas e suas práticas sociais realizadas a partir de sua realidade.

Estamos em nosso ensaio considerando as orientações cotidianas de alfabetização ou letramento desenvolvidas pelos sujeitos nos seus grupos sociais ou na relação com outros grupos sociais. Visto que, a vida cotidiana social é atravessada pelas formas como a linguagem escrita e falada, de modo implícito ou explícito, com complexidade ou não. Assim, vivendo em sociedades alfabetizadas ou letradas, tanto os sujeitos escolarizados, quanto os não escolarizados são afetados de alguma forma pelo processo da alfabetização ou do letramento.


2.1 – Traços do cotidiano da sala de aula

Os dados aqui apresentados para análise foram retirados dos registros de observação da pesquisa e prática pedagógica realizada em uma Escola Municipal da cidade de Niterói  em uma turma de 2º ano do ensino fundamental I. As observações foram realizadas em diferentes dias, horários e envolveram atividades variadas da professora regente e a professora auxiliar com as crianças.

Levantamos quatro categorias de análise para a nossa PDR: 1) conhecimento das linguagens; 2) trabalho com os gêneros do discurso; 3) atitudes; 4) atividades de leitura e de escrita. Para este ensaio estamos trazendo para análise um pequeno relato extraído de duas dessas categorias: conhecimento das linguagens e atitudes.


2.2 – Conhecimento das linguagens

Uma “Rodinha de Conversa” sobre as eleições 2018 foi desenvolvida no decorrer de nossas observações. Essa conversa motivou a turma a falar de diversos temas transversais as eleições. Em suas falas as crianças subjetivamente foram dando sentidos diferenciados a esses temas transversais que iam desde a continuidade de sua formação sobre como o resultado das eleições iriam influenciar a mesma, os processos de votação, como também temas pessoais, como familiar desempregado e pobreza, em fim, na rodinha as crianças socializavam informações. Observamos a riqueza desses momentos ao propiciar às crianças voz e vez, no sentido de que se expressando sistematizam o conhecimento conscientemente.

O fragmento abaixo foi retirado dessa rodinha de socialização. Conforme as categorias explicitadas acima, esse fragmento está categorizado como relativo ao conhecimento das linguagens. O relato constitui-se no seguinte: “Minha mãe está desempregada, por isso está morando com meus avós”.

Destacamos a interatividade realizada na rodinha de conversa, na qual observamos em silêncio as falas e discursos entre a professora e as crianças. Por meio de uma abordagem simples o tema “Eleições 2018” foi debatido, atravessado por outros temas transversais tais como pobreza e desemprego. No sentido bakhtiniano, a expectativa é que as crianças vão se apropriando das palavras, não homogeneamente, mas de forma heterogenia ampliando suas possibilidades de usar a linguagem tanto escrita quanto falada.

As diversas formas como é construída a linguagem neste espaço de interação, como a “Rodinha de Conversa”, promoveu o contato com múltiplas linguagens sociais que, como consequência, influência no desenvolvimento da relação da criança com o conhecimento gerando mais conhecimento. As diversas falas/enunciados encontrados neste momento de debate estimularam e incentivaram a voz da criança e a escuta do educador e vice versa. Como sugere Pérez (2015):


As rodas de conversas se constituem em espaço/tempo coletivo de narrativa e de exercício de escuta. Tal perspectiva metodológica entende a produção de conhecimento como um tapete tecido a várias mãos que entrelaça movimentos, surpresas e descobertas: movimento de nos construirmos pesquisadoras junto com as crianças, surpresa de sermos desafiadas pelas lógicas próprias da infância e descobertas de que aprendemos com as crianças e suas lógicas (PÉREZ, 2015, P. 183).


Sendo assim, a diversidade de sentido que se construiu a partir da “Rodinha de Conversa”, mediada pela professora, criou um momento rico de possibilidades subjetivas para a promoção da interatividade, em que as crianças construíram as suas falas a partir das e com as palavras das outras crianças, em um movimento de (re)significação. Para tanto, as práticas educativas devem procurar substituir “[...] a explicação pela descoberta, potencializar a capacidade criadora das crianças, sua imaginação, suas diferentes concepções de mundo e a diversidade de significações presentes em seu universo simbólico e material” (PÉREZ, 2015, P. 182).

Destacamos a importância de vermos as crianças como leitoras da realidade, além de leitoras e produtoras de textos, e assim, presumimos como seja fundamental pensarmos em como na sala de aula deve se planejar o trabalho pedagógico. As crianças, ao entrarem na escola, em geral, já chegam conhecendo algumas das funções da escrita e da leitura e fazendo alguns de seus usos sociais, pelo valor que essas linguagens tem em nossa sociedade. Isso desfaz a “trama lógico-discursiva que nomeia as crianças das classes populares como incapazes, insubordinadas, indisciplinadas e/ou portadoras de dificuldades de aprendizagem” (PÉREZ, 2015, P. 182).

 Quando presenciamos uma “Rodinha de Conversa” com crianças de 7 anos de idade parece-nos uma “bagunça”, mas em determinado momento, uma das crianças utilizou a palavra “desbagunça” para referir-se a uma atividade de organização do espaço escolar. Para esta criança a palavra “desbagunça” possui sentido relevante. Tal fato dá evidencias que no processo social de construção das expressões linguísticas pelas crianças, elas vão introjetando e metamorfoseando as palavras ditas pelas outras crianças transformando em palavras próprias, isso é reflexão, isso é produção de conhecimento. Ou seja, apropriação e uso da linguagem dinamicamente dando novos sentidos aos enunciados.

Mais tarde, em outros momentos de suas vidas escolares essas construções não serão mais permitidas, pois serão consideradas erradas. Será?


3 – NOTAS DE ENCERRAMENTO

1ª Nota - O contato com as linguagens escrita e falada em atividades dinâmicas, como as rodinhas de conversa, deram as crianças intimidade e interação com a sociedade alfabetizada e letrada que estão inseridas. Tanto suas escritas quanto a oralidade vêm revelando a interação com mundo letrado.

2ª Nota - A escola deve perceber nas crianças suas capacidades de expressão na produção e reprodução do conhecimento a partir de suas realidades ou vivências, principalmente no sentido de valorizar o que estão produzindo.

3ª Nota - O presente ensaio traz dados superficiais, porém relevantes que podem provocar reflexões sobre os processos de alfabetização ou do letramento, em especial como os modos que esses acontecem.


4 - BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 3. ed. São Paulo: Hucitec. 1996.

PÉREZ, Carmen Lúcia Vidal. Alfabetização, leitura e escrita: um convite à autoria. In: Saberes cotidianos em diálogo. GARCIA, Regina Leite e ESTEBAN, Maria Teresa e SERPA, Andréa (Orgs.). 1ª Ed. - Petrópolis, RJ. De Petrus; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2015.

ZACCUR, Edwiges. Alfabetização: falsas questões em meio a pistas quentes e frias. In: Saberes cotidianos em diálogo. GARCIA, Regina Leite e ESTEBAN, Maria Teresa e SERPA, Andréa (Orgs.). 1ª Ed. - Petrópolis, RJ. De Petrus; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2015.


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