quarta-feira, 19 de dezembro de 2018


RESENHA
FREITAS, Luiz Carlos. Os Reformadores Empresariais da Educação: Da Desmoralização do Magistério à Destruição do Sistema Público de Educação. Educ. Soc. Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, 2012.
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Cláudio Alves de Melo
No Texto, “Os Reformuladores Empresariais da Educação: Da desmoralização do Magistério à Destruição do Sistema Público de Educação”, Freitas (2012) tem como objetivo mostrar empiricamente evidências costumeiramente escondidas pelos reformuladores empresariais da educação no Brasil. O texto descreve a proposta que envolve de forma combinada responsabilização, meritocracia e privatização apresentada pelos reformuladores da educação. Em nosso país estas ideias estão se consolidando de forma intrigante, especialmente nas esferas dos poderes estaduais e municipais de Educação. Freitas (2012) alertar para as consequências da educação balizadas nessas formas de se fazer educação, já que nos países que essas ideias foram implantadas, considerou-se como “tempo perdido para a educação”, inclusive e em especial nos Estados Unidos.
Os “Corporate Reformers”, ou “reformadores empresariais” da educação nos Estados Unidos, nada mais são que acordões entre políticos, mídia, empresários, empresas educacionais, institutos e fundações privadas e pesquisadores, que coadunam alinhados com os princípios meritocráticos e privatistas, os quais acreditavam que o modelo mais adequado para organizar a educação era o mesmo que se organizava as empresas, sendo assim, era a proposta mais adequada para “consertar” a educação americana, desqualificando as propostas realizadas pelos educadores. Tal conflito entre educadores e reformuladores nos Estados Unidos acontece a muito tempo. No Brasil, acontece algo semelhante, os empresários têm coordenado diversas ações no campo da educação e a mais conhecida é a “Todos pela Educação”, a qual nada mais é que uma rede de instituições ligadas a educação privada que apoiam experiências e iniciativas coerentes com as ideias dos reformuladores da educação.
A proposta sugerida pelos reformadores empresariais é a validação do currículo básico, mínimo, como referência. No entanto, propositalmente não dizem que a “focalização” no básico restringe o currículo direcionado a juventude retirando “áreas do conhecimento” importantes de fora, exatamente o que se poderia chamar de “boa educação”. Além disso, referencia para os educadores que basta ensinar o básico, principalmente os filhos dos mais pobres. No entanto, a educação não deve ser planejada em virtude apenas do ensino básico, e sim pensando numa educação contínua que contemple todas as fases etárias da vida humana.
Freitas (2012) afirma que com o apoio dos campos da psicologia behaviorista, as ciências da informação, e a neurociência os reformuladores da educação referenciam suas formulações. Ou seja, uma educação desenvolvida por meio de uma cultura de auditoria que se baseia na subordinação da qualidade à lógica administrativa focando o controle do controle sobre o comportamento e o desempenho. Paulo Freire (1996) chama tal processo de “Pedagogia do Oprimido”, a qual se realiza da seguinte maneira:


a) o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem: c) o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a prescrição: g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de que atuam, na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i) o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo: os educandos, meros objetos. (FREIRE, 1996, p. 58).


Para Freire (1996) esse tipo de educação bancária se desenvolve por meio do controle, da disciplina, e da opressão. Para ele, a “educação bancária” é essencialmente característica da sociedade opressora capitalista, a qual possui como objetivo, depositar o máximo de conhecimento nos sujeitos alunos, limitando-os somente ao conhecimento que lhes são rigorosa e formalmente imposto sem que existam diálogos entre alunos e educadores.
Partindo disso, Freitas (2012) diz que o tecnicismo, atualmente, se apresenta travestido de uma “teoria da responsabilização”, meritocrática e gerencialista. Partindo disso, a educação deve ser medida e padronizada por processos gerenciais, que gerenciarão tanto o processo ensino aprendizagem quanto a força de trabalho por três principais categorias: responsabilização, meritocracia e privatização.
Freitas (2012) afirma que um sistema de responsabilização envolve três elementos principais: testes para os alunos, divulgação dos resultados e recompensas ou sanções. Dessa forma a responsabilização é perpassada pela meritocracia, a qual está na base da proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. No entanto, o autor levanta a discussão sobre o fato de não considerarem as diferenças das condições nos pontos de partida, ou seja, tal fato não influência no resultado final. Esse depende apenas do esforço individual de cada sujeito, da sua disciplina. Métodos como esse não são novos. Tal situação é confirmada por Tragtenberg (1985). Vejamos:

Essa situação surgiu no século XIX com a instituição disciplinar que consiste na utilização de métodos que permitem um controle minucioso sobre o corpo do cidadão através dos exercícios de utilização do tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes, com uma única finalidade: produzir corpos submissos, exercitados e dóceis. Tudo isso para impor uma relação de docilidade e utilidade. (TRAGTENBERG, 1885, P. 68).

Freitas (2012) apresenta os efeitos danosos da meritocracia quando aplicada sobre a comunidade escolar e seus pares, em especial, professores e alunos. Os professores são vistos como mercenários, e esses são expostos publicamente conforme seus resultados por meio de avaliações que identificam e classificam piores e melhores, daí podem ser ovacionados ou punidos. O autor afirma que estudos provam que a meritocracia não provoca melhorias consistentes no desempenho dos alunos.
Nos Estados Unidos, especialmente em Nova York tais procedimentos estão sendo revistos e reavaliados, sendo constatado que esses causam um grande desperdício de dinheiro público, sendo considerada com falta de ética, diz Freitas (2012).
Sobre a privatização o autor afirma que essa teve seus caminhos abertos pela responsabilização e pela meritocracia, visando a privatização do sistema público de ensino brasileiro, que dá a possibilidade do público ser administrado pelo privado. Uma outra modalidade da privatização é o sistema de bolsas - Prouni, Pronatec - que dá aos alunos o direito de estudarem em instituições privadas. Ambos servem como mecanismo de transferência de verbas públicas para o sistema privado, afirma o autor.
As modalidades apresentadas pelo autor foram usadas à exaustão nos Estados Unidos sem provocar melhorias consistentes no cenário da educação no país. Fica claro que a continuidade destes tipos de políticas só serve para consolidar ideologicamente que o privado é melhor que o público afirma Freitas (2012).
Partindo do que foi exposto Freitas (2012) apresenta de forma resumida algumas consequências provocadas pela reformulação educacional baseada na responsabilização, meritocracia e privatização: 1 – Estreitamento curricular – inclusão de determinadas disciplinas em detrimento de outras; 2 – Competição entre profissionais e escolas – diminuição da possibilidade de colaboração entre os mencionados; 3 – Pressão sobre o desempenho dos alunos e preparação para os testes – cobrança crescente do rendimento dos alunos e afastamento dos alunos com dificuldade de aprendizagem das escolas; 4 – Fraudes – as consequências anteriores instiga a distorcer e corromper os processos; 5 – Aumento da segregação socioeconômico no território – as escolas travam a entrada de determinados estudantes; 6 – Aumento da segregação socioeconômica dentro da escola – separação entre alunos por desempenho; 7 – Precarização da formação do professor – restrição da formação dos educadores aos aspectos técnicos; 8 – Destruição moral do professor – exposição pública do professor após avaliação; 9 – Destruição do sistema público de ensino – concessão da gestão da escola à iniciativa privada e a quebra da estabilidade do trabalho docente; 10 – Ameaça à própria noção liberal de democracia se consolidada a apropriação da escola pública pela iniciativa privada.
Finalizando seu texto, Freitas (2012) alerta: “Ainda há tempo para o Brasil não implementar tais políticas e evitar mais uma década perdida para a educação brasileira” ( FREITAS, 2012, P. 396).
Diferentemente de tudo que foi exposto no texto de Freitas (2012), na educação problematizadora de Freire (1996) é gerada uma consciência, sobre si próprio no sujeito. É uma educação que liberta e que se dá por meio do diálogo contínuo do saber entre os educadores e os alunos. É uma educação que tem como objetivo principal fazer com que os sujeitos alunos não se limitem a repetir, produzir e reproduzir, além de decorar mecanicamente o conhecimento transmitido pelos educadores. Além disso, para Freire (1996) a educação problematizadora, aquela que liberta, a importância se dá no momento em que os sujeitos submetidos à dominação, ao controle, à manipulação e á conformação lutem por uma cidadania emancipatória.
Como exemplos, no documentário “Quando Sinto que Já Sei - 2014” podemos perceber muitas e inovadoras possibilidades de tornar o processo educativo mais atraente e criativo - deferentes dos propostos pelos reformuladores da educação -, as quais podem levar o sujeito aluno à sonhada liberdade. Na tentativa de encontrar novas possibilidades de educação, profissionais mostrados no documentário têm refletido sobre o padrão e funcionamento das instituições educacionais de hoje. Diante disso, eles afirmam que é possível encontrar formas mais atraentes e criativas de educar, em especial por meio de formatos de escolas baseados em metodologias participativas com foco na formação de sujeitos mais críticos, autônomos e questionadores. Além de realizarem aulas ao ar livre, grupos de crianças com diferentes faixas-etárias, relação mais íntima com a natureza e com conteúdos multi e interdisciplinares. O documentário afirma que estas são algumas das características das possíveis novas maneiras de ensino/aprendizagem.
A obra fílmica viajou o Brasil mostrando e relatando o funcionamento de diversos projetos voltados para educação com propostas no mínimo interessantes, alicerçadas na ideia de participação, coletividade e autonomia do ser humano em desenvolvimento. E a partir do filme é inegável que muitos sujeitos querem que essa mudança aconteça, visto os depoimentos de crianças, pais, responsáveis, professores, educadores, diretores e pessoas das mais diversas áreas, querendo romper com o modelo tradicional e opressor de educação.
BIBLIOGRAFIA
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, P. 57-76. 1996.
FREITAS, Luiz Carlos. Os Reformadores Empresariais da Educação: Da Desmoralização do Magistério à Destruição do Sistema Público de Educação. Educ. Soc. Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, 2012.
TRAGTENBERG, Maurício. Relações de Pode na Escola. Lua Nova vol.1 Nº4. São Paulo, Mar. 1985.
Documentário “Quando Sinto Que Já Sei” - 2014.

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