RESENHA
FREITAS, Luiz Carlos. Os Reformadores Empresariais da
Educação: Da Desmoralização do Magistério à Destruição do Sistema Público de
Educação. Educ. Soc. Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, 2012.
Cláudio
Alves de Melo
No Texto, “Os
Reformuladores Empresariais da Educação: Da desmoralização do Magistério à
Destruição do Sistema Público de Educação”, Freitas (2012) tem como
objetivo mostrar empiricamente evidências costumeiramente escondidas pelos
reformuladores empresariais da educação no Brasil. O texto descreve a proposta
que envolve de forma combinada responsabilização, meritocracia e privatização
apresentada pelos reformuladores da educação. Em nosso país estas ideias estão
se consolidando de forma intrigante, especialmente nas esferas dos poderes estaduais
e municipais de Educação. Freitas (2012) alertar para as consequências da
educação balizadas nessas formas de se fazer educação, já que nos países que
essas ideias foram implantadas, considerou-se como “tempo perdido para a
educação”, inclusive e em especial nos Estados Unidos.
Os “Corporate Reformers”, ou “reformadores
empresariais” da educação nos Estados Unidos, nada mais são que acordões entre
políticos, mídia, empresários, empresas educacionais, institutos e fundações
privadas e pesquisadores, que coadunam alinhados com os princípios
meritocráticos e privatistas, os quais acreditavam que o modelo mais adequado
para organizar a educação era o mesmo que se organizava as empresas, sendo
assim, era a proposta mais adequada para “consertar” a educação americana, desqualificando
as propostas realizadas pelos educadores. Tal conflito entre educadores e
reformuladores nos Estados Unidos acontece a muito tempo. No Brasil, acontece
algo semelhante, os empresários têm coordenado diversas ações no campo da
educação e a mais conhecida é a “Todos pela Educação”, a qual nada mais é que
uma rede de instituições ligadas a educação privada que apoiam experiências e
iniciativas coerentes com as ideias dos reformuladores da educação.
A proposta sugerida pelos reformadores
empresariais é a validação do currículo básico, mínimo, como referência. No
entanto, propositalmente não dizem que a “focalização” no básico restringe o
currículo direcionado a juventude retirando “áreas do conhecimento” importantes
de fora, exatamente o que se poderia chamar de “boa educação”. Além disso,
referencia para os educadores que basta ensinar o básico, principalmente os filhos
dos mais pobres. No entanto, a educação não deve ser planejada em virtude
apenas do ensino básico, e sim pensando numa educação contínua que contemple
todas as fases etárias da vida humana.
Freitas (2012) afirma que com o apoio
dos campos da psicologia behaviorista, as ciências da informação, e a neurociência
os reformuladores da educação referenciam suas formulações. Ou seja, uma
educação desenvolvida por meio de uma cultura de auditoria que se baseia na
subordinação da qualidade à lógica administrativa focando o controle do
controle sobre o comportamento e o desempenho. Paulo Freire (1996) chama tal
processo de “Pedagogia do Oprimido”, a qual se realiza da seguinte maneira:
a) o educador é o
que educa; os educandos, os que são educados; b) o educador é o que sabe; os
educandos, os que não sabem: c) o educador é o que pensa; os educandos, os
pensados; d) o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam
docilmente; e) o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados;
f) o educador é o que opta e prescreve sua opção; os educandos, os que seguem a
prescrição: g) o educador é o que atua; os educandos, os que têm a ilusão de
que atuam, na atuação do educador; h) o educador escolhe o conteúdo
programático; os educandos, jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; i)
o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que
opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às
determinações daquele; j) o educador, finalmente, é o sujeito do processo: os
educandos, meros objetos. (FREIRE, 1996, p. 58).
Para Freire (1996) esse tipo de
educação bancária se desenvolve por meio do controle, da disciplina, e da opressão.
Para ele, a “educação bancária” é essencialmente característica da sociedade
opressora capitalista, a qual possui como objetivo, depositar o máximo de
conhecimento nos sujeitos alunos, limitando-os somente ao conhecimento que lhes
são rigorosa e formalmente imposto sem que existam diálogos entre alunos e
educadores.
Partindo disso, Freitas (2012) diz
que o tecnicismo, atualmente, se apresenta travestido de uma “teoria da
responsabilização”, meritocrática e gerencialista. Partindo disso, a educação
deve ser medida e padronizada por processos gerenciais, que gerenciarão tanto o
processo ensino aprendizagem quanto a força de trabalho por três principais
categorias: responsabilização, meritocracia e privatização.
Freitas (2012) afirma que um sistema
de responsabilização envolve três elementos principais: testes para os alunos,
divulgação dos resultados e recompensas ou sanções. Dessa forma a
responsabilização é perpassada pela meritocracia, a qual está na base da
proposta política liberal: igualdade de oportunidades e não de resultados. No
entanto, o autor levanta a discussão sobre o fato de não considerarem as
diferenças das condições nos pontos de partida, ou seja, tal fato não
influência no resultado final. Esse depende apenas do esforço individual de
cada sujeito, da sua disciplina. Métodos como esse não são novos. Tal situação
é confirmada por Tragtenberg (1985). Vejamos:
Essa situação surgiu no século XIX com
a instituição disciplinar que consiste na utilização de métodos que permitem um
controle minucioso sobre o corpo do cidadão através dos exercícios de
utilização do tempo, espaço, movimento, gestos e atitudes, com uma única
finalidade: produzir corpos submissos, exercitados e dóceis. Tudo isso para
impor uma relação de docilidade e utilidade. (TRAGTENBERG, 1885, P. 68).
Freitas (2012) apresenta os efeitos
danosos da meritocracia quando aplicada sobre a comunidade escolar e seus
pares, em especial, professores e alunos. Os professores são vistos como mercenários,
e esses são expostos publicamente conforme seus resultados por meio de
avaliações que identificam e classificam piores e melhores, daí podem ser
ovacionados ou punidos. O autor afirma que estudos provam que a meritocracia
não provoca melhorias consistentes no desempenho dos alunos.
Nos Estados Unidos, especialmente em
Nova York tais procedimentos estão sendo revistos e reavaliados, sendo
constatado que esses causam um grande desperdício de dinheiro público, sendo
considerada com falta de ética, diz Freitas (2012).
Sobre a privatização o autor afirma
que essa teve seus caminhos abertos pela responsabilização e pela meritocracia,
visando a privatização do sistema público de ensino brasileiro, que dá a
possibilidade do público ser administrado pelo privado. Uma outra modalidade da
privatização é o sistema de bolsas - Prouni, Pronatec - que dá aos alunos o
direito de estudarem em instituições privadas. Ambos servem como mecanismo de
transferência de verbas públicas para o sistema privado, afirma o autor.
As modalidades apresentadas pelo
autor foram usadas à exaustão nos Estados Unidos sem provocar melhorias consistentes
no cenário da educação no país. Fica claro que a continuidade destes tipos de
políticas só serve para consolidar ideologicamente que o privado é melhor que o
público afirma Freitas (2012).
Partindo do que foi exposto Freitas
(2012) apresenta de forma resumida algumas consequências provocadas pela
reformulação educacional baseada na responsabilização, meritocracia e
privatização: 1 – Estreitamento curricular – inclusão de determinadas
disciplinas em detrimento de outras; 2 – Competição entre profissionais e
escolas – diminuição da possibilidade de colaboração entre os mencionados; 3 –
Pressão sobre o desempenho dos alunos e preparação para os testes – cobrança
crescente do rendimento dos alunos e afastamento dos alunos com dificuldade de
aprendizagem das escolas; 4 – Fraudes – as consequências anteriores instiga a
distorcer e corromper os processos; 5 – Aumento da segregação socioeconômico no
território – as escolas travam a entrada de determinados estudantes; 6 –
Aumento da segregação socioeconômica dentro da escola – separação entre alunos
por desempenho; 7 – Precarização da formação do professor – restrição da
formação dos educadores aos aspectos técnicos; 8 – Destruição moral do
professor – exposição pública do professor após avaliação; 9 – Destruição do
sistema público de ensino – concessão da gestão da escola à iniciativa privada
e a quebra da estabilidade do trabalho docente; 10 – Ameaça à própria noção
liberal de democracia se consolidada a apropriação da escola pública pela
iniciativa privada.
Finalizando seu texto, Freitas (2012)
alerta: “Ainda há tempo para o Brasil não implementar tais políticas e evitar
mais uma década perdida para a educação brasileira” ( FREITAS, 2012, P. 396).
Diferentemente de tudo que foi
exposto no texto de Freitas (2012), na educação problematizadora de Freire
(1996) é gerada uma consciência, sobre si próprio no sujeito. É uma educação
que liberta e que se dá por meio do diálogo contínuo do saber entre os
educadores e os alunos. É uma educação que tem como objetivo principal fazer
com que os sujeitos alunos não se limitem a repetir, produzir e reproduzir,
além de decorar mecanicamente o conhecimento transmitido pelos educadores. Além
disso, para Freire (1996) a educação problematizadora, aquela que liberta, a
importância se dá no momento em que os sujeitos submetidos à dominação, ao controle,
à manipulação e á conformação lutem por uma cidadania emancipatória.
Como exemplos, no documentário
“Quando Sinto que Já Sei - 2014” podemos perceber muitas e inovadoras
possibilidades de tornar o processo educativo mais atraente e criativo -
deferentes dos propostos pelos reformuladores da educação -, as quais podem
levar o sujeito aluno à sonhada liberdade. Na tentativa de encontrar novas
possibilidades de educação, profissionais mostrados no documentário têm
refletido sobre o padrão e funcionamento das instituições educacionais de hoje.
Diante disso, eles afirmam que é possível encontrar formas mais atraentes e
criativas de educar, em especial por meio de formatos de escolas baseados em
metodologias participativas com foco na formação de sujeitos mais críticos,
autônomos e questionadores. Além de realizarem aulas ao ar livre, grupos de
crianças com diferentes faixas-etárias, relação mais íntima com a natureza e com
conteúdos multi e interdisciplinares. O documentário afirma que estas são
algumas das características das possíveis novas maneiras de ensino/aprendizagem.
A obra fílmica viajou o Brasil
mostrando e relatando o funcionamento de diversos projetos voltados para
educação com propostas no mínimo interessantes, alicerçadas na ideia de
participação, coletividade e autonomia do ser humano em desenvolvimento. E a
partir do filme é inegável que muitos sujeitos querem que essa mudança aconteça,
visto os depoimentos de crianças, pais, responsáveis, professores, educadores,
diretores e pessoas das mais diversas áreas, querendo romper com o modelo
tradicional e opressor de educação.
BIBLIOGRAFIA
FREIRE, Paulo.
Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, P. 57-76. 1996.
FREITAS, Luiz
Carlos. Os Reformadores Empresariais da Educação: Da Desmoralização do
Magistério à Destruição do Sistema Público de Educação. Educ. Soc.
Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, 2012.
TRAGTENBERG, Maurício. Relações de Pode na Escola. Lua Nova vol.1 Nº4. São Paulo, Mar. 1985.
Documentário “Quando Sinto Que Já Sei” - 2014.
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