quarta-feira, 1 de agosto de 2018


RESENHA

Filme “FORA DE SÉRIE”
Um filme do Observatório Jovem do Rio de Janeiro
Cláudio Alves de Melo

Legalmente, a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996 em seu Art. 37º § 1º diz: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames (BRASIL, 1996)”. Diante disso, recorrentemente a sociedade se pergunta: Na prática tais recomendações se concretizam?
Na tentativa de responder a recorrente questão, no decorrer dos 90 minutos, a obra fílmica “Fora de Série”, dirigida pelo Professor Paulo Carrano, apresenta alguns argumentos que giram em torno dessa questão, que partem dos depoimentos dos alunos, nos quais percebemos um recorte preciso da realidade social de jovens adultos que decidiram voltar a estudar, e da relação deles com a escola. Produzido pelo Observatório Jovem do Rio de Janeiro, grupo de pesquisa coordenado pelo próprio Professor Paulo Carrano, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. A obra é resultado de uma pesquisa com estudantes do Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) de 13 escolas públicas estaduais, localizadas no município do Rio.
Quanto ao título “Fora de Série” foi escolhido pensando na faixa etária dos alunos selecionados para participarem como protagonistas entrevistados. São pessoas que passaram da idade escolar regular, pois tiveram múltiplos motivos em suas vidas que os obrigaram a se afastar da escola, tais como: troca dos estudos pelo trabalho para dar apoio no custeio das necessidades da família, o racismo, a gravidez na adolescência, o uso de drogas, violência doméstica e etc. O filme por meio de uma compilação de depoimentos de 13 jovens adultos na EJA, todos entre 23 e 29 anos relata pelos próprios estudantes, as histórias perversas que culminaram na evasão escolar, a qual continua recorrente e nos faz refletir acerca dos processos de exclusão escolar que precisam ser desconstruídos em nossa sociedade.
É a partir daí que a obra questiona o sistema de educação do Brasil, denunciando a naturalização da violência, a desigualdade social, a má qualidade e o processo excluidor do ensino público, pois todos os problemas apontados nas entrevistas feitas na produção partiram da ideia de um sistema educacional dualista, que não facilita o acesso e a permanência do estudante pobre da infância à velhice, não importa a idade e o tempo, sempre estão a margem de uma educação de qualidade, ou seja, no Brasil, a EJA foi e é destinada as frações mais empobrecidas da classe trabalhadora, pois a trajetória histórica da política da EJA revela políticas institucionais frágeis e um aprendizado aligeirado. Desse modo, A EJA, das campanhas educacionais de 1940 ao Proeja de hoje é caracterizada pela ausência de continuidade, por ações provisórias e recursos instáveis, afirma VENTURA (2011).
Com depoimentos desoladores podemos dizer que como protagonistas os alunos narram suas trajetórias escolares correlacionando-as com suas histórias de vida. Vejamos um desses depoimentos: Disse o aluno J.B.: “Eu fui engolido pelo mundo, pelos erros da vida, e o mundo te engole se você não souber andar”, lembrando-se da dificuldade de superar o distanciamento da família, a solidão, o estranhamento do lugar estranho, e muitos outros quando chegou do Nordeste no Rio, sendo assim, foi obrigado a largar os estudos. Em outro momento mais recente de sua vida, o filme acompanha o cotidiano do estudante que já é pai, sendo obrigado a trabalhar em um subemprego, durante o dia. Mostra também sua trajetória de ida para a escola para estudar à noite, na qual utiliza um transporte público superlotado. Realizando o papel de seu próprio entrevistador, diz ele: “Estão vendo, esta é a vida do trabalhador brasileiro”.
A realidade exposta pela obra nos revela que estamos distante do que promete o sistema educacional brasileiro, em especial ao que se refere a EJA. Pode ser que quando realizarmos reflexões mais profundas e coerentes – filosóficas, pedagógicas, políticas - sobre os depoimentos apresentados, chegaremos mais próximo do concreto, e assim ter a possibilidade de usar a expressão “Fora de Série” a partir do seu significado original.


Quando o Brasil oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os “dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua multiplicidade, moderno e democrático. (PARECER CNE/CEB nº 11/2000).


Os jovens por meio de seus relatos denunciam as contradições entre o real e o abstrato, mas especialmente denunciam pouco ou nenhum diálogo entre o alunado e o sistema educacional em relação aos desafios que vivenciam em seu cotidiano, tendo como principais exemplos: a conciliação com estudos e trabalhos, a relação com professores desmotivados e escolas antidemocráticas. Mas, também relatam da existência professores compromissados e estimulantes que os ajudam na superação dos desafios que enfrentam na retomada da escolarização. Em fim, são assim jovens estudantes da EJA que ainda valorizam a escola e os estudos e que resistem na busca de acesso e permanência a educação pública de qualidade.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pdf>.

SERRA, E.; VENTURA, J.; ALVARENGA, M.; REGUERA, E. Interrogando o direito à educação: oferta e demanda por educação de jovens e adultos no estado do Rio de Janeiro. Crítica Educativa (Sorocaba/SP), v. 3, n. 3, p. 25-41, ago./dez.2017.

VENTURA, J. P. A trajetória histórica da educação de jovens e adultos trabalhadores. In: TIRIBA, L.; CIAVATTA, M. (Orgs.). Trabalho e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Líber Livro/EDUFF, 2011. P. 57-98.

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