sexta-feira, 3 de agosto de 2018


EDUCAÇÃO INCLUSIVA – BRAND, MUITO PRAZER!
Relatório Descritivo-Reflexivo Sobre o Filme 
"O Primeiro da Classe”



Cláudio Alves de Melo


1 - ABERTURA

“Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe um grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: Luz Balão.”

João Cabral de Melo Neto
“Tecendo a Manhã”

Com o poema “Tecendo a Manhã”, me parece, uma forma sensível de começar este ensaio, e assim mergulhar subjetivamente, e metaforicamente, na questão da “Educação Inclusiva”, na qual a formação da cidadania se vincula intimamente com a função da educação, da escola, do que ela é e representa quando utiliza metodologias e materiais didático-pedagógicos para “ensinar as pessoas com deficiência”, na tentativa de incluí-las na vida social e a vida social nelas.

Todos os dias, todos nós, nos deparamos com alguma pessoa com deficiência que apresenta alguma mania, algum hábito, ou características diferentes das nossas. Mas poucos de nós conhecemos uma doença chamada de “Síndrome de Tourette”.

Anteriormente era considerada uma doença de ordem emocional e até meados do século XX foi tratada como tal pelos psicanalistas, os quais utilizavam medicamentos para minimizar os tiques provocados por ela, porém com o tempo foi comprovado que tal transtorno seria de ordem neurológica.

Podemos imaginar o quanto as pessoas sofrem com a Tourette, devido os sons e tiques constantes provocados por ela, daí nos atrevemos a dizer que tais pessoas sofrem muito mais, quando estão no âmbito escolar onde são constantemente assediadas por outras, independentemente de suas idades e mais ainda quando são inferiorizadas por alguns membros da sua própria família.


2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS

2.1 – A História de Brad Cohen

Brad Cohen viveu e vive uma profunda experiência, com a “Síndrome de Tourette”, a qual ele mesmo chama de amiga constante. Desde os seis anos de idade quando apareceram os primeiros sintomas sofreu com preconceito e discriminação dos outros por causa de uma doença desconhecida, e por isso nem sempre diagnosticada.

Com o passar do tempo resolveu contar sua história por meio da literatura, decidindo lançar o livro “O Líder da Classe”. Esse livro foi publicado no ano de 2005, ganhando o prêmio literário como “Melhor Livro Educativo do Ano”. Com isso, Brad passou a dar entrevistas em programas de TV, as quais motivavam as pessoas com a síndrome de nunca desistirem de lutar. Ele também fundou a Fundação Brad Cohen com o intuito de arrecadar ajuda financeira para manter programas que assistem pessoas com a “Síndrome de Tourette”.

Notamos aqui, o protagonismo de Brad, de fazer valer seu direito de estar e ser o que quiser, ou seja, ter uma vida emancipada em todos os sentidos, apesar de sua deficiência. Bred gritou, e foi protagonista de sua própria história, e partindo desse contexto, voltamos ao poema “Tecendo a Manhã”. Quando nos indignamos com a realidade dada gritamos pela mudança, nosso “grito” de galo, isto é, nosso fazer ousado e inovador tornar-se-ão fazeres emancipatórios não só de um, mais de muitos, na medida em que desde a “mais tênue teia, se erga o toldo, a manhã de todos” e para todos.

Pode ser que esses fazeres estejam diretamente vinculados à subjetividade da pessoa com deficiência ou sem, do educador, da família, dos amigos, da sociedade, ou ainda, aos anseios, à utopia ideológica, podendo assim afetar a todos, deficientes ou não, explícita ou implicitamente, no decorrer de seus cotidianos.

O livro mencionado então se transformou em uma sensível e grandiosa obra fílmica com o título “O Primeiro da Classe” que desde que foi lançado tem emocionado milhares de pessoas sensibilizando-as em relação a vida das pessoas não só com a “Síndrome de Tourette”, mas com outras deficiências.

A obra foi inspirada em fatos que giram em torno da vida de Brad Cohen e da “Síndrome de Tourette”, que lhe acarretou múltiplas situações não tão boas, em especial, na sua trajetória escolar. Foi nesse período, ainda criança, que sentiu na pele as afetações das humilhações realizadas por toda comunidade escolar, mas em especial pelos seus colegas, ou seja, outras crianças, tudo por causa dos sons constantes emitidos e pelos tiques motores provocados pela “Síndrome de Tourette”.

Em Brad a síndrome se concentrava na região da cabeça e rosto, locais onde é mais comum aparecer, porém pode aparecer em qualquer outra parte do corpo (pernas, barriga, braços, etc). Na escola ele não conseguia se controlar por causa da pressão social vinda dos outros, o que potencializava os sintomas. Cabe lembrarmos que tais movimentos são involuntários, mas mesmo assim era obrigado, pela professora, a pedir desculpas para a turma e, ainda tinha que prometer que não iria repetir os sons. Por causa disso, as outras crianças riam e faziam piada dele o tempo todo. Várias vezes, ele foi encaminhado para a direção da escola para que fosse chamado e orientado à não repetir tais sons e movimentos, o que não surtia nenhum efeito, pois como já dissemos os sintomas eram involuntários. Nesses casos sua mãe sempre era chamada à comparecer na escola. Toda essa dinâmica afetava a autoestima de Brad, o que ocasionou a não ter vontade de frequentar a escola.

No entanto, como a um anjo, sua mãe, que via e sentia o sofrimento de Brad, não aceitava passivamente aquela situação, daí saiu em buscas de respostas, foi a luta e resolveu realizar um garimpo na biblioteca da cidade, até que encontrou uma explicação satisfatória e mais provável para os sintomas que seu filho apresentava: "Síndrome de Tourette”.

Surgiu assim uma nova esperança para tornar a vida de Brad mais fácil e acolhedora, antes que a sociedade o destruísse com seus padrões de normalidade impostos e aceitos que não respeitava o ser diferente. Presumimos então, o quanto a família é importante na participação ativa e sensível ao modo de vida da pessoa com deficiência.

A partir daí a vida de Brad começou a mudar e ele e os outros – família, amigos, escola, médico - tomaram o conhecimento que se tratava de uma doença neurológica, tirando o peso da culpa dos seus ombros, o peso do fardo de ser julgado quando diziam que tudo que fazia seria propositalmente, como julgava as pessoas, inclusive seu pai. Agora ele poderia se defender dizendo à todos porque emitia aqueles sons “irritantes e repetidos”. Foi quando que, diante de mais um episódio triste e constrangedor em sala de aula, o diretor da escola, numa atitude inteligente e inovadora, de grande sensibilidade, desafiou Brad a declarar e explicar ele próprio para toda a escola em um intervalo de um musical, o porque emitia constantemente aqueles sons e movimentos, explicando que tudo aquilo se tratava de uma doença chamada de “Síndrome de Tourette”. Sob aplausos ele viu sua vida mudar completamente na escola, tal fato lhe afetou profundamente, fazendo-o desejar no futuro ser um pedagogo, porém um pedagogo com novas visões e novos conceitos em relação ao ensino. É o que Vigotski (2011) diz:


Mas é natural que, juntamente com isso, desapareça também a antiga concepção sobre o próprio caráter da educação. Onde a antiga teoria podia falar de colaboração, a nova fala em luta. No primeiro caso, a teoria ensinava a criança a dar passos lentos e tranquilos; a nova deve ensiná-la a saltar. (VIGOTSKI, 2011, P. 866).


Longe de seus problemas acabarem, até porque a “Síndrome de Tourette” não some, Brad teria agora que enfrentar novos percalços para conseguir alcançar seus anseios de uma vida emancipada, inclusive de poder trabalhar, de preferência como pedagogo.

Corajosamente, Brad conclui todas as etapas de seus estudos, o que lhes deram condições de lecionar. Daí, ele foi tentar conseguir um emprego como pedagogo, tendo como anseio principal de atuação profissional realizar uma educação diferente, ou seja, desenvolver uma “Educação Inclusiva”. Ele sabia que não seria fácil naquela época, e ainda hoje não é. Nesse sentido, BRAUN e MARIN (2016) afirmam:


Organizar um modelo de educação inclusiva requer um projeto que tenha por finalidade desenvolver práticas educativas equânimes para todos os alunos. Isto não é algo simples e exige mudanças significativas na estrutura escolar da qual dispomos, seja quanto ao tempo, espaços, concepções de ensino, de aprendizagem ou de currículo. (BRAUN e MARIN, 2016, P. 198).


Nas idas e vinda das entrevistas, várias vezes, foi rejeitado pelas instituições educativas, apesar de possuir um currículo acadêmico excelente. Os entrevistadores ao recebê-lo e durante as entrevistas estranhavam seus sons e movimentos, os quais acabavam por desqualificá-lo para a função de pedagogo. No entanto, seguiu em frente e persistiu, até que foi chamado para lecionar na escola “Mountain View Elementary School, em Cobb Country”, Georgia, com crianças do 2º ano.

Brad foi muito bem recebido pelo corpo docente e pelos alunos, houve pouca rejeição, assim, aproveitou a oportunidade e de forma inovadora começou a lecionar fazendo a diferença naquela escola, e por causa disso, recebeu o “Primeiro Prêmio Professor do Ano” da Georgia. O filme termina na emocionante cena dele recebendo o referido prêmio, em meios a família, seus alunos, ao corpo docente da escola em que trabalha, e muitos outros.


2.2 – Refletindo a Educação Inclusiva à Luz da História de Brad Cohen

Pensamos que atualmente urgi ser necessário que a história de Brad, afete profundamente nossas experiências docentes, e de formação, no sentido de favorecer a promoção da “Educação Inclusiva”. Entendemos assim, que refletir sobre a nosso saber teórico e sobre nosso fazer pedagógico deva ser de fato um exercício concreto e contínuo, ou seja, sentir, pensar, agir e avaliar dialeticamente a produção de nossos conhecimentos e o desenvolvimento de nossa prática, sem distanciá-los.

Diante desse contexto, pensar em “Educação Inclusiva” já coloca em xeque o sistema de educação que conhecemos, uma vez que apesar dos avanços legais e metodológicos a educação ainda não atende a todos de forma inclusiva e sim de forma fragmentada.

Legalmente temos um arcabouço legal que garante o atendimento da pessoa com deficiência em qualquer situação, a começar pela Constituição Federal de 1988 que consagra, no Art. 205, a educação como direito de todos e dever do Estado e da Família.

Ainda seguindo esse trajeto legal, na Espanha em 1994 ocorreu uma conferência na cidade de Salamanca, chamada de “Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais”, que reuniu pessoas interessadas em discutir e deliberar sobre assuntos concernentes as pessoas com deficiência. Com uma visão inclusiva essa conferência teve a intenção de promover a ideia de “Educação para Todos”, realisando um chamamento às escolas a capacitarem-se para atenderem a todas as crianças, em especial aquelas que apresentam necessidades educacionais especiais. Dessa conferência firmou-se a “Declaração de Salamanca”, documento com aspectos políticos-filosóficos presentes nos seus princípios. Com isso, essa declaração propaga a perspectiva de uma sociedade inclusiva, consequentemente uma “Educação Inclusiva” onde todos têm o direito ao acesso e permanência na escola.

Com o intuito de consolidar a ideia de “Educação Inclusiva” vem sendo reforçado esse arcabouço legal gradativamente é o que afirma a Política Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:  LDBEN/Nº 4.024/61, Lei Nº 5.692/71, ECA, Lei nº 8.069/90; a Política Nacional de Educação Especial; Lei de Diretrizes e Bases da Educação / Lei nº 9.394/96 – LDB; o Decreto nº 3.298/99; O PNE, Lei Nº 10.172/2001; A Convenção de Guatemala, pelo decreto Nº 3.956/2001; Lei de Libras, Nº 10.436/02; entre muitos outros. Dentre esses podemos citar a Nota Técnica Nº 04/2014, que ratifica o disposto no Decreto Nº 7.611/2011 no seu Art. 2º:


A educação especial deve garantir apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (BRASIL, 2011).


Assim, temos com esse arcabouço legal condições de democratizar a educação proporcionando a todos o acesso e a permanência no sistema educacional. Como Brad, precisamos se mobilizar para fazer com que nosso sistema educacional saiba não só lidar tanto com as desigualdades sociais, quanto com as diferenças humanas. Isso é inclusão1 Isso é acesso e permanência de todos numa escola para todos.

O caso de Brad nos revelou o quanto é prejudicial para a pessoa com deficiência estudar em uma instituição escolar que desenvolva propostas pedagógicas pseudo-inclusivas. Nesse sentido, defendemos o compromisso ético-político-social dos educadores que, deve junto à família, promover a inclusão de fato dessas pessoas – sujeitos de direitos - na sociedade e na escola. Para que isso ocorra é necessário que a “[...] organização do tempo, espaço e distribuição dos alunos, a metodologia, atividades, estratégias e ações que serão realizadas e a organização, seleção e produção de recursos utilizados [...] tenham como foco [...]” (CARDOSO e TARTUCI, S/D, p. 2) a pessoa com deficiência.

Sendo assim, podemos presumir que a escola pode e deve atender à demanda das pessoas, pois o que vivenciamos é o oposto, ou seja, o sujeito é quem atende a demanda da escola. Pode ser que o Projeto Político Pedagógico da instituição escolar seja um ótimo instrumento de promoção da perspectiva inclusiva.

É necessário que a escola se transforme em um território democrático e de democratização, onde o diverso atravesse a particularidade e vice versa do processo educacional. A instituição escolar que possui propostas democráticas, e separa tempo e espaço para isso, se contrapõe a todos os tipos de aphartaid, seja por idade, gênero, sexo, origem social, por deficiência, etc. Atrevo-me a dizer que é necessário entendermos que para afetar e transformar a hegemonia de uma sociedade precisamos de antemão refletir sobre nossos próprios espaços de formação, portanto para afetar precisamos ser afetados.


3 - ENCERRAMENTO

O presente trabalho procura fomentar reflexões sobre o processo de consolidação da perspectiva inclusiva, seus avanços e estagnação, a partir da experiência de vida de Brad Cohen apresentada no Filme “O Primeiro da Classe”.

É inegável que a “Educação Inclusiva” apresenta-se de maneira satisfatória na atual conjuntura educacional do Brasil. Entendemos que como profissionais formados ou em formação vivenciamos um processo em curso de consolidação da perspectiva inclusiva e é exatamente por isso que existem algumas lacunas, e muitas dúvidas. No entanto, temos a esperança que estamos no caminho de não só uma escola inclusiva, mais de toda a sociedade.

Quanto ao exemplo de Brad, depois de assistir seu sofrimento, sua rejeição, suas frustrações, sua luta, seu protagonismo, suas conquistas, o único sentimento que sinto por ele é admiração. Uma pessoa que enfrentou desde a infância os desafios em busca de sua inclusão social, uma pessoa considerada frágil e vulnerável, mas que não se deixou ser vencido pelas chacotas, assédios, discriminações, limitações, desconfortos e muitas outras situações desfavoráveis a sua vitória. Destacamos a importância da família, em especial a mãe de Brad, a qual segundo o filme, atribui parte de suas conquistas.

Quanto a escola e aos professores e os papéis que desempenham percebemos, com base na literatura estudada e da experiência de Brad, que ainda estamos distante do ideal de escola inclusiva. Quanto aos educadores, enfatizamos que só por meio de uma práxis reflexiva crítica e ética poderão se constituir em co-protagonistas da promoção da perspectiva de educação inclusiva de todos os segregados ou rejeitados pelo sistema escolar.


4 - REFERENCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

BRASIL. Declaração de Salamanca e Linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO, 1994.

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008.

BRASIL. Nota Técnica n. 94 / 2014 / MEC / SECADI / DPEE. Brasília, 2014.

BRAUN, Patricia e MARIN, Márcia. Ensino colaborativo: uma possibilidade do atendimento Educacional Especializado. In: Revista Linha. Florianópolis, v. 17, n. 35, p. 193-215, 2016.

CARDOSO, Camila rocha e TARTUCI, Dulcéria. Planejamento das práticas pedagógicas: o ensino, os objetivos e o plano do atendimento educacional especializado. Fonte desconhecida.

CARNEIRO, Maria Sylvia Cardoso. Reflexões Sobre a Avaliação da Aprendizagem de Alunos da Modalidade Educação Especial na Educação Básica. Revista Educação Especial | v. 25 | n. 44, | p. 513-530 | set./dez. 2012.

LOPES, Silmara A. Adaptação Curricular: o que é? Por quê? Para quem? E como fazê-la? EBR – Educação Básica Revista, vol.3, n.1, 2017.

VIGOTSKI, Lev. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. In: Educação e Pesquisa. São Paulo. V.37, n. 4, p. 861-870, 2011.





quinta-feira, 2 de agosto de 2018


DEFICIÊNCIA SENSORIAL
DEFICIÊNCIA VISUAL E A ESCOLA INCLUSIVA


Cláudio Alves de Melo
João Victor Avendano Guimarães


1 - APRESENTAÇÃO
                      
O mundo, de forma geral, vem passando por algumas mudanças na forma como a sociedade, em especial a educação, entende e lida com a deficiência humana. Ao longo da história, os considerados “desviantes” têm sido alvo de práticas de exclusão marcadas pelo preconceito e pela discriminação. Vítimas da rejeição e/ou da compaixão estiveram, muitas vezes, à margem da sociedade, em guetos sociais, distantes do convívio com os cidadãos considerados normais.

As pessoas com deficiência começaram a ganhar destaque com a difusão do princípio da universalização no ensino do Brasil a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB/96). Diante disso, a promoção da máxima “Educação para Todos” e a inclusão na educação regular ganharam força, deram largos e muitos passos adiante e alcançaram até o momento atual um número considerável de matrículas na educação básica e no Ensino Fundamental de alunos com deficiência.

A matrícula de alunos com deficiência em classes comuns no Brasil evoluiu, de 1998 a 2002, em 151%. Pulamos de um total de 43.923 matrículas, em 1998, para 110.536, em 2002. Ou seja, somente em quatro anos, houve um aumento considerável da inclusão nas instituições escolares. No entanto, a formação, qualificação e capacitação dos educadores que são necessárias para lidar com esse tipo de alunado, além dos concursos públicos para mediadores não acompanharam esse ritmo de crescimento.

A partir da Declaração de Salamanca (1994), surgiu o termo “necessidades educacionais especiais”, em substituição do termo “criança especial”, anteriormente usado pela educação para identificar o aluno com deficiência. Mas, esse novo termo se refere a toda e qualquer pessoa considerada atípica e que necessite de algum tipo de abordagem específica por parte das escolas, seja de ordem - comportamental, social, física, emocional ou familiar. Na atual conjuntura sobre o assunto, temos uma demanda de 7% a 10% da população em idade escolar com necessidades educacionais especiais.
Entre as múltiplas deficiências presentes na sociedade e, consequentemente, nas escolas, abordaremos a deficiência visual no contexto escolar.


2 - DISCUSSÕES TEÓRICAS

2.1 - Contextualização

Quando nós pensamos em deficiência visual, nos perguntamos: Como é a vida cotidiana das pessoas sem a visão? O que a pessoa com deficiência visual é capaz de fazer? Qual o tipo de vida pode levar? Como é o seu processo ensino aprendizagem? Neste breve ensaio, tais problemáticas são analisadas e, a “[...] partir desta análise, a situação do cego na vida escolar é discutida”. (NUNES e LOMÔNACO, 2010, p. 55).

Pressupomos que profissionais da área da Educação devem possuir necessariamente conhecimentos teóricos, didáticos e pedagógicos sobre os diferentes e múltiplos tipos de deficiências, as limitações reais impostas por cada deficiência e, principalmente, as inúmeras possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem desses sujeitos. Assim, objetiva-se neste ensaio apresentar e analisar informações sobre a cegueira e o aluno cego ou com baixa visão “a partir da literatura teórica e de pesquisas na área de modo a salientar suas reais limitações, mas, ao mesmo tempo, enfatizar as potencialidades do aluno cego ou com baixa visão”. (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 55).

Podemos definir a deficiência visual como sendo a falta ou diminuição da visão, ou seja, uma limitação de uma das formas de apreensão de informações do mundo externo. Há dois tipos de deficiência visual: cegueira e baixa visão.

A partir de 1970, o diagnóstico de deficiência visual deixou de considerar apenas a acuidade visual para avaliar as formas de percepção do sujeito: se ele apreende o mundo por meio do tato, olfato, cinestesia etc., esta pessoa é considerada cega; se, no entanto, tiver limitações da visão, mas ainda assim conseguir utilizar-se do resíduo visual de forma satisfatória, então, seu diagnóstico é de baixa visão.

A ausência ou diminuição da visão é um fenômeno complexo e diverso. As causas da deficiência, o momento e a forma da perda visual (progressiva ou repentina), o contexto psicológico, familiar e social influenciam o modo como a pessoa vive sua condição de pessoa com deficiência visual.

O estereótipo da pessoa com deficiência visual está relacionado à forma como historicamente ela foi vista. Segundo Nunes e Lomônaco (2010), Vygotsky define três momentos principais na concepção de cegueira: 1º - Período Místico; 2º - Período Biológico e Ingênuo; 3º - Período Científico ou Sociopsicológico.


2.2 – O Aluno Deficiente Visual na Sala de Aula – Algumas Pesquisas

Nunes e Lomônaco (2010) por meio de algumas pesquisas afirmam que: Monte Alegre (2003) constatou ausência de apoio especializado nas escolas regulares, as chamadas escolas “inclusivas”, primeiro pelo déficit de materiais adequados e recursos destinados ao desenvolvimento do trabalho com as crianças com deficiência visual; segundo pelo despreparo dos educadores da sala de aula comum, o que faz com que o trabalho pedagógico se desenvolva de forma apenas técnica e espontânea e muitas vezes inadequada, senso assim, acabam por não darem conta das demandas de aprendizagem do aluno com deficiência visual.

Outra pesquisa apontada por Nunes e Lomônaco diz que “As professoras da sala comum de alunos com deficiência visual demonstraram incertezas sobre como lidar com esses alunos e desconhecimento dos materiais adaptados para o cego - inclusive o braile.” (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 60). E ainda a partir de Lira e Schlindwein (2008) “Constataram que professores de alunos cegos se negaram a mudar as estratégias de ensino em prol da aprendizagem do seu aluno.” (NUNES e LOMÔNACO, 2010, p. 60).

Em relação à convivência Montilha, Temporini, Nobre e Kara-José (2009):


Apontaram alto nível de repetência dos alunos. Além disso, a dificuldade mais apontada pelos sujeitos foi a de ler os livros didáticos. E a relação com o professor, dentre a relação com colegas e diretor, foi a mais escolhida como influente no processo de aprendizagem. Nesse sentido, podemos pensar que, segundo esses alunos, um bom relacionamento com o professor auxilia mais na compreensão dos conteúdos escolares. Porém, esse bom relacionamento nem sempre ocorreu, pois 73,1% dos alunos tiveram alto índice de repetência. (NUNES e LOMÔNACO, 2010. P. 62).



2.3 – A Educação Inclusiva do Deficiente Visual

A escola, historicamente, não foi construída para acolher as particularidades de seus alunos, sobretudo suas deficiências. Os conteúdos e metodologias eram, e ainda são imensamente visuais, configurando um privilégio daqueles que enxergam a desvantagem daqueles que não, como afirma a Cartilha do MEC dizendo que “os conteúdos escolares privilegiam a visualização em todas as áreas de conhecimento, de um universo permeado de símbolos gráficos, imagens, letras e números.” (BRASIL, 2007, p. 13).

A educação inclusiva busca reverter essa situação trazendo os alunos com deficiência para as escolas regulares, para que aprendam junto com todas as crianças. É importante ressaltar que a inclusão aqui tratada não significa acesso, mas condições de permanência para que os alunos-alvo tenham suas condições especiais de aprendizagem garantidas.

Mudanças nas diversas esferas da escola são necessárias para o acolhimento desses alunos. Essas transformações devem garantir sua plena participação no ambiente escolar e garantir um eficiente processo de ensino-aprendizagem. O conteúdo, a comunicação, as atividades, etc. devem ser adaptados às particularidades do aluno. Entretanto, essas mudanças não devem subestimar o aluno nem superprotegê-los privando sua autonomia.

A escola, portanto, passa a ter o aluno como elemento central. Não é o aluno quem deve se adaptar a escola, mas o contrário. Essa mudança faz com que o aluno não seja responsável pelo seu fracasso.


2.4 – O Aluno Cego e o Aluno com Baixa Visão

Diferenciar os dois tipos de deficiência visual é fundamental para pensar o processo de escolarização. Não se deve resumir tudo a uma coisa só. Enquanto o cego tem o total comprometimento da visão, o aluno de baixa visão pode e deve usufruir o pouco que enxerga.

As adaptações se diferenciam para esses dois tipos de aluno. Enquanto o cego necessita de adaptações que explorem seus outros sentidos, o aluno de baixa visão carece de mudanças que utilizem sua visão diminuta de forma confortável, isto é, mudanças que utilizem sua visão sem causar irritação.
            
Existem mecanismos que auxiliam os alunos de baixa visão que podem ser utilizados dentro e fora da escola. Esses recursos, classificados como ópticos e não ópticos, utilizam a visão, por isso não servem para os cegos.
            
Os recursos ópticos são instrumentos que magnificam a imagem da retina, sendo recomendados por especialistas; exemplos desses recursos são os óculos, lupas, telescópio, etc. Os recursos não ópticos são ações e mecanismos que auxiliam no cotidiano dos alunos; ampliação de fontes, gráficos, e sinais, circuito fechado de televisão, acetato amarelo, são exemplos desses recursos.
            
A Cartilha do MEC sobre o Atendimento Educacional Especializado para o deficiente visual traz algumas recomendações que devemos ter com os alunos de baixa visão. São elas:
  • Sentar o aluno a uma distância de aproximadamente um metro do quadro negro na parte central da sala.
  •  Evitar a incidência de claridade diretamente nos olhos da criança.
  • Estimular o uso constante dos óculos, caso seja esta a indicação médica.
  • Colocar a carteira em local onde não haja reflexo de iluminação no quadro negro.
  • Posicionar a carteira de maneira que o aluno não escreva na própria sombra.
  • Em certos casos, conceder maior tempo para o término das atividades propostas, principalmente quando houver indicação de telescópio.
  • Ter clareza de que o aluno enxerga as palavras e ilustrações mostradas.
  • Sentar o aluno em lugar sombrio se ele tiver fotofobia (dificuldade de ver bem em ambiente com muita luz).
  • Evitar iluminação excessiva em sala de aula.
  • Observar a qualidade e nitidez do material utilizado pelo aluno: letras, números, traços, figuras, margens, desenhos com bom contraste figura/fundo.
  • Observar o espaçamento adequado entre letras, palavras e linhas.
  • Adaptar o trabalho de acordo com a condição visual do aluno.
  • Utilizar papel fosco, para não refletir a claridade.
  • Explicar, com palavras, as tarefas a serem realizadas.


2.5 – Alfabetização e Aprendizagem

Acesso à leitura, escrita e conteúdos escolares é fundamental no processo de aprendizagem. Na educação de deficientes visuais, particularmente dos cegos, a utilização dos outros sentidos se faz necessária para a coleta de informações. É importante frisar que o desenvolvimento dos outros sentidos não é algo extraordinário, mas são altamente desenvolvidos em virtude da recorrência.

Estabelecer uma linguagem com esses alunos é fundamental já que ela “amplia o desenvolvimento cognitivo porque favorece o relacionamento e proporciona os meios de controle do que está fora de alcance pela falta da visão.” (BRASIL, 2007, p. 21). A linguagem é o mecanismo central para a troca de informações e conhecimentos.

A comunicação não está estabelecida de forma única, muitas são as formas de se comunicar e expressar. A escola deve ser um local que considere essas múltiplas experiências e difunda os conhecimentos historicamente acumulados a todos, considerando suas particularidades e, sobretudo, suas potencialidades. Contemplamos o pensamento de Vigotski (2011) quando diz que:


[...] nós nos acostumamos com a ideia de que o homem lê com os olhos e fala com a boca, e somente o grande experimento cultural que mostrou ser possível ler com os dedos e falar com as mãos [...] Psicologicamente, essas formas de educação conseguem superar o mais importante, ou seja, a educação consegue incutir na criança surda-muda e na cega a fala e a escrita no sentido próprio dessas palavras.


É preciso, portanto, estimular a comunicação em todas as crianças. O professor deve garantir que o aluno deficiente visual se comunique com seus colegas e profissionais para que desenvolva relações necessárias à vivência social.

As crianças cegas operam com dois tipos de conceitos (BRASIL, 2007, p.21).

  1. Significado real a partir de suas experiências.
  2. Significado através de referências. Comunicação através do verbalismo. O entendimento pode ser prejudicado pela má compreensão do aluno. Por isso, “é necessário incentivar o comportamento exploratório, a observação e a experimentação para que estes alunos possam ter uma percepção global necessária ao processo de análise e síntese.” (idem, ibidem).


2.5.1 – Espaço Físico e Mobiliário

A familiarização com o espaço físico não acontece de forma imediata com os que não enxergam, é preciso estimular a exploração do espaço físico, onde o conhecimento desse espaço se dará de forma gradual. O mobiliário e os materiais devem permanecer nos lugares conhecidos por esses alunos, e qualquer mudança deve ser avisada.


2.5.2 – Sistema Braille

O sistema braile é a principal ferramenta de leitura e escrita da pessoa cega. Baseia-se na combinação de 63 pontos obtidos na organização dos seis pontos básicos, organizados em duas colunas de três pontos. Essas combinações representam as letras do alfabeto, os números, pontos, entre outros símbolos. Exige uma boa coordenação motora e dificulta a correção de erros.


2.5.3 – Atividades e Avaliação

Os alunos deficientes visuais podem e devem participar das atividades que devem ser adaptadas, quando necessárias. As adaptações podem ser de várias formas, desde descrição oral a confecção de materiais. Além disso, a avaliação também deve ser adaptada, através de exercícios orais, conversão para o braile, utilização de computadores, etc.


2.6 – Recursos Didáticos

A utilização de matérias que sejam mais agradáveis no ensino não deve ser uma questão resumida à educação especial. Que criança não gosta de aprender se divertindo? Aprender deve ser prazeroso. Utilizar jogos e recursos lúdicos é fundamental para despertar o interesse dos alunos, afinal “recursos tecnológicos, equipamentos e jogos pedagógicos contribuem para que as situações de aprendizagem sejam mais agradáveis e motivadoras em um ambiente de cooperação e reconhecimento das diferenças.” (MEC, 2007, p. 26).

Os recursos a serem manuseados pelos deficientes visuais devem ser pensados de forma que explorem os outros sentidos, não descartando a visão no caso de alunos com baixa visão.
Objetos pequenos devem ser ampliados, os grandes diminuídos. Mapas devem ser feitos em relevo. A adequação desses recursos, contudo, não deve fugir do realismo, mas considerar os detalhes e dimensões.


3 – NOTAS CONCLUSIVAS

1ª Nota - A Escola Inclusiva deve compreender seu caráter inclusivo não apenas no sentido de receber estudantes com deficiência visual, mas sim por ser uma escola que se mostra aberta e disposta a programar e implantar condições pedagógicas, didáticas, ambientais, curriculares, etc, para acolher e acompanhar o educando com deficiência visual em seu processo ensino/aprendizagem.

2ª Nota - A Escola Inclusiva deve ir muito além da aceitação da presença física do educando com deficiência visual dentro das salas de aula, ou seja, é imprescindível a produção de metodologias pedagógicas específicas que garantam a permanência e o sucesso no processo ensino/aprendizagem desses educandos. Sendo assim, a Escola Inclusiva irá estimular no educando com deficiência visual um sentimento de reconhecimento como ser humano e de pertencimento.

3ª Nota - A Escola Inclusiva deve de forma intransigente combater ações preconceituosas ou discriminatórias, promovendo uma comunidade escolar solidária baseada no respeito e valorização do ser humano indo muito além dos muros da escola, assim, construindo uma instituição escolar inclusiva irá como consequência atingir o objetivo principal: uma educação plena e para todos, ou seja, uma educação que afeta direta e indiretamente todos os atores da comunidade escolar, independente de seu sexo, cor, religião, origem, condição física, social ou intelectual. Além disso, a Escola Inclusiva deve pensar em estimular o desejo de participação nos seus membros para que estes em conjunto discutam, deliberem e decidam em busca de “mudanças” ou “transformações” metodológicas e organizacionais no território escolar.

4ª Nota - Na Escola Inclusiva o professor da classe comum não só pode como deve ajudar o professor especializado, informando a cerca do desenvolvimento do educando com deficiência visual na sala de aula, ou seja, como esse se relaciona no coletivo com os colegas, como age diante dos conteúdos e das atividades, e como esse se comporta positiva ou negativamente frente às metodologias pedagógicas aplicadas.

5ª Nota - A avaliação deve ser transformada em um processo de aprendizagem, portanto, a avaliação deve ter caráter processual, atentando ao crescimento intelectual e cognitivo do educando com deficiência visual ao invés de considerar e inferir o resultado final (o quanto se aprendeu).


4 – BIBLIOGRAFIA


BRASIL. 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394, de 20 de dezembro, Brasília, DF.

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Atendimento Educacional Especializado: deficiência visual. Brasília: SEESP/MEC, 2007.

NUNES, Sylvia e LOMÔNACO, José Fernando Bitencourt. O Aluno Cego: Preconceitos e Potencialidades. In: Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14, Número 1, Janeiro/Junho de 2010: P. 55-64.

UNESCO. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília, CORDE, 1994.

VIGOTSKI, L. S. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 37, n. 4, dez., 2015.


quarta-feira, 1 de agosto de 2018


RESENHA

Filme “FORA DE SÉRIE”
Um filme do Observatório Jovem do Rio de Janeiro
Cláudio Alves de Melo

Legalmente, a Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/1996 em seu Art. 37º § 1º diz: “Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames (BRASIL, 1996)”. Diante disso, recorrentemente a sociedade se pergunta: Na prática tais recomendações se concretizam?
Na tentativa de responder a recorrente questão, no decorrer dos 90 minutos, a obra fílmica “Fora de Série”, dirigida pelo Professor Paulo Carrano, apresenta alguns argumentos que giram em torno dessa questão, que partem dos depoimentos dos alunos, nos quais percebemos um recorte preciso da realidade social de jovens adultos que decidiram voltar a estudar, e da relação deles com a escola. Produzido pelo Observatório Jovem do Rio de Janeiro, grupo de pesquisa coordenado pelo próprio Professor Paulo Carrano, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense. A obra é resultado de uma pesquisa com estudantes do Ensino Médio na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) de 13 escolas públicas estaduais, localizadas no município do Rio.
Quanto ao título “Fora de Série” foi escolhido pensando na faixa etária dos alunos selecionados para participarem como protagonistas entrevistados. São pessoas que passaram da idade escolar regular, pois tiveram múltiplos motivos em suas vidas que os obrigaram a se afastar da escola, tais como: troca dos estudos pelo trabalho para dar apoio no custeio das necessidades da família, o racismo, a gravidez na adolescência, o uso de drogas, violência doméstica e etc. O filme por meio de uma compilação de depoimentos de 13 jovens adultos na EJA, todos entre 23 e 29 anos relata pelos próprios estudantes, as histórias perversas que culminaram na evasão escolar, a qual continua recorrente e nos faz refletir acerca dos processos de exclusão escolar que precisam ser desconstruídos em nossa sociedade.
É a partir daí que a obra questiona o sistema de educação do Brasil, denunciando a naturalização da violência, a desigualdade social, a má qualidade e o processo excluidor do ensino público, pois todos os problemas apontados nas entrevistas feitas na produção partiram da ideia de um sistema educacional dualista, que não facilita o acesso e a permanência do estudante pobre da infância à velhice, não importa a idade e o tempo, sempre estão a margem de uma educação de qualidade, ou seja, no Brasil, a EJA foi e é destinada as frações mais empobrecidas da classe trabalhadora, pois a trajetória histórica da política da EJA revela políticas institucionais frágeis e um aprendizado aligeirado. Desse modo, A EJA, das campanhas educacionais de 1940 ao Proeja de hoje é caracterizada pela ausência de continuidade, por ações provisórias e recursos instáveis, afirma VENTURA (2011).
Com depoimentos desoladores podemos dizer que como protagonistas os alunos narram suas trajetórias escolares correlacionando-as com suas histórias de vida. Vejamos um desses depoimentos: Disse o aluno J.B.: “Eu fui engolido pelo mundo, pelos erros da vida, e o mundo te engole se você não souber andar”, lembrando-se da dificuldade de superar o distanciamento da família, a solidão, o estranhamento do lugar estranho, e muitos outros quando chegou do Nordeste no Rio, sendo assim, foi obrigado a largar os estudos. Em outro momento mais recente de sua vida, o filme acompanha o cotidiano do estudante que já é pai, sendo obrigado a trabalhar em um subemprego, durante o dia. Mostra também sua trajetória de ida para a escola para estudar à noite, na qual utiliza um transporte público superlotado. Realizando o papel de seu próprio entrevistador, diz ele: “Estão vendo, esta é a vida do trabalhador brasileiro”.
A realidade exposta pela obra nos revela que estamos distante do que promete o sistema educacional brasileiro, em especial ao que se refere a EJA. Pode ser que quando realizarmos reflexões mais profundas e coerentes – filosóficas, pedagógicas, políticas - sobre os depoimentos apresentados, chegaremos mais próximo do concreto, e assim ter a possibilidade de usar a expressão “Fora de Série” a partir do seu significado original.


Quando o Brasil oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os “dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua multiplicidade, moderno e democrático. (PARECER CNE/CEB nº 11/2000).


Os jovens por meio de seus relatos denunciam as contradições entre o real e o abstrato, mas especialmente denunciam pouco ou nenhum diálogo entre o alunado e o sistema educacional em relação aos desafios que vivenciam em seu cotidiano, tendo como principais exemplos: a conciliação com estudos e trabalhos, a relação com professores desmotivados e escolas antidemocráticas. Mas, também relatam da existência professores compromissados e estimulantes que os ajudam na superação dos desafios que enfrentam na retomada da escolarização. Em fim, são assim jovens estudantes da EJA que ainda valorizam a escola e os estudos e que resistem na busca de acesso e permanência a educação pública de qualidade.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB 11/2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 2000. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/PCB11_2000.pdf>.

SERRA, E.; VENTURA, J.; ALVARENGA, M.; REGUERA, E. Interrogando o direito à educação: oferta e demanda por educação de jovens e adultos no estado do Rio de Janeiro. Crítica Educativa (Sorocaba/SP), v. 3, n. 3, p. 25-41, ago./dez.2017.

VENTURA, J. P. A trajetória histórica da educação de jovens e adultos trabalhadores. In: TIRIBA, L.; CIAVATTA, M. (Orgs.). Trabalho e Educação de Jovens e Adultos. Brasília: Líber Livro/EDUFF, 2011. P. 57-98.

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